Título: Quem guarda tanto rancor?
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 05/02/2011, Política, p. 4

Políticos até tentam esconder ressentimentos. Mas o Planalto sabe mais do que ninguém que, mais cedo ou mais tarde, peemedebistas tentarão dar o troco por conta das últimas negociações por cargos Rancores são mortais. Que o diga a tripulação do Vapor Bahia, um pequeno navio que afundou a quatro milhas náuticas da costa pernambucana, em março de 1887, depois de colidir com a embarcação batizada de Pirapama. Os dois comandantes eram brigados e um deles provocou o acidente. A rixa, conta uma das versões, tinha mulher no meio ¿ o rancor, no caso, tratava-se de puro ciúme.

Rancores são destrutivos. Que o diga o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que abriu batalha contra gente do próprio partido e do governo federal depois de perder a indicação para o comando de Furnas Centrais Elétricas. Alves reagiu à indicação de Flávio Decat, ligado à presidente Dilma Rousseff e ao senador José Sarney (PMDB) ¿ o rancor, no caso, trata-se de perda de poder.

Se, no primeiro caso, o rancor chegou ao grau máximo da estupidez e levou à morte mais de 40 pessoas, o segundo episódio deve provocar mais atrito na conturbada relação entre peemedebistas e aliados de Dilma, incluindo outros integrantes do PMDB. O rancor provoca a vingança. Ao governo resta agora esperar a hora de receber o troco. O que se sabe é que ele virá, mais cedo ou mais tarde.

Como comandantes ensandecidos de barcos a vapor do século 17, peemedebistas da Câmara brigam por espaço com os peemedebistas do Senado e com a própria Dilma, que, por ora, tem demostrado firmeza contra algumas pressões partidárias, principalmente nos últimos lances da partilha das estatais ¿ mas tal ação irrita aqueles que ficaram distante das decisões.

Problemas A dificuldade do Palácio do Planalto é equalizar a disputa interna do PMDB, iniciada logo depois da confirmação de Michel Temer como vice-presidente. Lembre-se que naquele momento ainda existia consenso dentro do partido, por mais que Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente, emitisse um ou outro sinal dando preferência a Henrique Meirelles na chapa de Dilma. Prevaleceu a unidade do PMDB.

Agora, um mês depois do início do mandato, Dilma, além de ter de trabalhar para apaziguar o ânimo de um partido, precisa, na verdade, agradar a duas ou três alas da legenda. Uma tarefa inglória. No caso de Furnas, como se sabe, Eduardo Alves e o também deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) eram contra a indicação de Decat. O parlamentar potiguar chegou a ameaçar romper com o Planalto. Perdeu, por ora.

O troco pode vir durante uma votação de interesse do governo, como, por exemplo, a definição do valor do salário mínimo. Ou pode chegar só daqui a dois anos, depois que o PMDB tomar ¿ a partir de acordo já firmado ¿ a Presidência da Câmara dos Deputados do petista Marco Maia. Vinte e quatro meses na política é muito tempo, e ninguém garante, nem mesmo o PMDB, uma votação.

No mar, o Vapor Bahia e o Pirapama ¿ posto a pique pelos próprios armadores em 1889 ¿ repousam a 23m de profundidade e são visitados por mergulhadores recifenses nos fins de semana. Na política, um eventual naufrágio da relação entre peemedebistas e petistas é tudo que o governo Dilma não quer no momento, por mais que tal ação pudesse livrá-la de um ou outro rancoroso.

Outra coisa Confirmada, a indicação de Henrique Meirelles para ocupar o posto da Autoridade Pública Olímpica é uma jogada de craque de Dilma ¿ e de Antonio Palocci, por tabela. A função de Meirelles pode avançar nas atribuições do Ministério do Turismo, comandado por Pedro Novais (PMDB-MA), que ficou conhecido por conta do episódio do pagamento de motel com dinheiro da Câmara.