Título: Sangue negro
Autor: Cotias , Adriana ; Camba , Daniele
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2008, EU & Investimentos, p. D1

Com o barril do petróleo no mercado internacional na casa dos US$ 100,00, mudanças estruturais na relação oferta e demanda e o esperado aumento da produção em 2008 com novas plataformas em operação, as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da Petrobras são uma unanimidade entre as casas de análise. Pela base de dados da Thomson One Analytics, as 12 corretoras que acompanham a empresa têm recomendação de compra para os papéis. Na média, o preço alvo está em R$ 107,7, o que embute uma valorização de 28% para a "blue chip".

Mesmo que as cotações do petróleo não se sustentem nos US$ 100,88 alcançados ontem, a percepção é de que há pouco espaço para o óleo ceder muito dos níveis atuais. Conflitos geopolíticos, como a recente incursão turca contra rebeldes curdos no norte do Iraque, mudanças climáticas e a influência dos países produtores nos preços da commodity são eventos cada vez mais recorrentes, diz o analista da Geração Futuro Lucas Brendler. "Apesar da desaceleração americana, há balizadores que fazem enxergar o crescimento da demanda", afirma. "Há gargalos para exploração e prospecção de petróleo, logística e até de refino, fazendo com que a linha de equilíbrio entre oferta e demanda fique cada vez mais tênue."

A economia mundial, puxada por países emergentes como China, Índia e o Brasil, deve continuar crescendo de forma vigorosa, permitindo que as principais commodities prossigam o seu ciclo de alta, acrescenta o estrategista de renda variável para pessoa física da Itaú Corretora, Flávio Conde. "Se o petróleo não cedeu de modo significativo quando começou a se cogitar que os EUA entrariam num período de vacas magras, não vai ser agora, com boa parte desse cenário já embutido nos preços, que isso vai acontecer."

Para o especialista, os conflitos nas regiões produtoras apontam para um movimento ascendente na cotação da commodity. "Com o crescimento do mundo e a produção vira e mexe ameaçada, o petróleo tem plenas condições de ultrapassar a casa dos US$ 110", afirma Conde. "Considerando que entre US$ 10 a US$ 15 sejam resultado da pura especulação de fundos hedge internacionais, ainda sobram US$ 95 perfeitamente sustentáveis.". A Itaú Corretora recomenda a compra de Petrobras PN, com um preço alvo de R$ 110,00.

Nas premissas usadas para atualizar o preço alvo da ação para R$ 117,00, Brendler, da Geração, considerou o petróleo a US$ 80,00 em 2008 e a US$ 75,00 na perpetuidade (longo prazo). Na sua avaliação ganhou peso o crescimento da produção local, frustrado no ano passado com o atraso nas operações das plataformas P-52 e P-54 e que devem atingir plena capacidade ao longo de 2008. "O aumento deve continuar nos próximos anos e tende a ser maior do que a queda na taxa de produtividade nos poços atuais." Só no segmento de petróleo, o analista estima uma expansão de 12%, para 2,150 milhões de barris ao dia em 2008.

O real valorizado tem compensado, em alguma medida, a política da Petrobras de não repassar a alta das cotações internacionais a todos os derivados, mas, na opinião de Brendler, se o petróleo persistir nas alturas e o câmbio se estabilizar, o reajuste na ponta do consumo deve ocorrer em algum momento no segundo semestre. Felipe Cunha, da Brascan Corretora, diz que se a estatal tivesse, no ano passado, corrigido diariamente os preços em vez de usar um valor constante, o efeito prático teria sido o mesmo, embora ele defenda atualizações periódicas. Cerca de 60% da receita da Petrobras está atrelada a produtos como gasolina e diesel, que não têm reajuste desde o segundo semestre de 2005. A parcela restante, originada no querosene de aviação, nafta e óleo combustível, por exemplo, segue as oscilações internacionais.

Cunha tem projeções bastante promissoras para a Petrobras neste ano, como um Ebitda (geração operacional de caixa) de R$ 66,1 bilhões, 28,2% superior a 2007, margem de 36% (ante 29,9% do exercício anterior) e um incremento de 40% no lucro líquido, para R$ 30,9 bilhões. Com um preço alvo em R$ 107,35 para a ação PN, ele é otimista no curto e no longo prazo. E cita o intenso ritmo de crescimento esperado para a produção (da ordem de 6% ao ano entre 2007 e 2012), os investimentos em modernização das refinarias que permitirão maior utilização do petróleo pesado, além da estratégia de internacionalização, como a recente aquisição de refinaria no Texas.

Nos resultados do quarto trimestre de 2007, que serão apresentados amanhã, Cunha prevê um lucro de R$ 5,7 bilhões, elevando para R$ 22,2 bilhões o ganho no ano, o que representa uma queda de 4,9% em relação a 2006. Ele espera ainda uma melhora no Ebitda no último trimestre de 2007 em relação ao mesmo período de 2006, com R$ 13,3 bilhões, com aumento da margem de 24,9% para 28%. O analista Luiz Otávio Broad, da Ágora, espera queda na produção e um resultado similar ao observado no terceiro trimestre. "A melhora deve vir ao longo do ano, pelo forte aumento da produção."

As ações da Petrobras dependem de quatro fatores: do preço do barril do petróleo, da produção da companhia, da perspectiva de novas descobertas e da exploração efetiva de campos já descobertos. E, para a felicidade da companhia - e dos acionistas -, todos passam por uma fase favorável.

Do lado da produção, as perspectivas são animadoras também pela descoberta de reservas como os megacampos de Tupi e Júpiter, que contribuem para as perspectivas de aumento da produção de petróleo leve, com valor agregado maior, diz Conde, da Itaú Corretora. Para um gestor de recursos, são essas notícias que têm sustentando o papel, mas ele alerta que há muitas dúvidas. Ninguém sabe o real tamanho dos campos, qual será a dificuldade para perfurá-los, já que estão em águas profundas, na camada de pré-sal, nem a quanto o petróleo precisará ser vendido para compensar os custos de exploração, exemplifica. Ele cita ainda que as ações já subiram demais, tornando-as caras quando comparadas aos pares internacionais. A relação entre o valor da empresa e a geração operacional de caixa ( EV/ Ebitda) para este ano é de 6 vezes, enquanto o indicador das principais petrolíferas americanas é de 5,8 vezes e o das européias, de 5,2 vezes.