Título: Mantega bate o pé: são R$ 545
Autor: Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 05/02/2011, Política, p. 5

São Paulo ¿ Depois de três horas e meia de reunião em São Paulo, o governo e entidades que representam os trabalhadores não chegaram a um acordo sobre o valor do salário mínimo que deve entrar em vigor em 1º de maio. A segunda rodada de negociação ocorreu ontem na representação da Presidência da República, na Avenida Paulista, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o ministro-chefe da Secretaria Especial da Presidência, Gilberto Carvalho. No encontro, Mantega frustrou a expectativa dos sindicalistas de ter um mínimo de pelo menos R$ 580 e reiterou o valor de R$ 545. ¿Esses valores impactam as contas do governo num momento de esforço fiscal que é importante para todos¿, justificou.

No fim da reunião, as centrais sindicais já pensavam em redefinir a postura. O presidente da Força Sindical, Paulinho da Força, afirmou que, ¿se o governo sair do patamar de R$ 550¿, os sindicalistas aceitam debater valores menores que R$ 580. ¿O ministro Mantega alega que é preciso cortar despesas, o que obedece à lógica de mercado¿, disse Paulinho. Na saída da reunião, o sindicalista classificou o encontro como ¿frustrante¿ e reclamou que aumentar o salário mínimo não é gasto, e sim investimento.

Bem mais contido, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva, disse que ninguém quer a volta da inflação, mas que é necessário aumentar o poder de compra do trabalhador. ¿Nós não estamos tendo uma inflação de demanda. Nós estamos vivendo uma inflação fruto da tentativa de especulação de alimento¿, argumentou.

Melhor em 2012 Segundo Mantega, o governo não vai abrir mão dos R$ 545 porque esse valor foi calculado levando em consideração regras que vêm trazendo ganhos reais substanciais para o mínimo desde 2007. ¿Queremos revalidar em 2011 essa regra que foi defendida pelos trabalhadores e trouxe muitos ganhos para eles¿, defendeu. Pelo acordo citado pelo ministro, válido até 2010, o mínimo era reajustado levando em conta a inflação do ano anterior e o crescimento da economia dos dois anos anteriores.

De acordo com Mantega, os ganhos do mínimo para 2012 serão expressivos. Para o próximo ano, o mínimo deverá subir 12,5%, segundo as estimativas do Ministério da Fazenda. O ministro prevê crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e a inflação oficial de 5% neste ano. Com base nesses cálculos, o mínimo subiria para R$ 613 em 2012.

Mantega também sustentou que, além do cumprimento da regra que valeu nos últimos quatro anos, o governo leva em consideração a necessidade de cortar despesas. Há uma meta do Poder Executivo de superavit primário de 3% do PIB. Para isso, seria necessário cortar R$ 50 bilhões em gastos públicos neste ano.

Cálculo criticado O reajuste do salário mínimo gera polêmica porque a atual política de valorização considera a inflação do período e o crescimento da economia. Segundo o economista Eduardo Geraque, da Universidade de Campinas (Unicamp), neste ano, o mínimo deveria ser reajustado pela inflação oficial do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2010 e pelo desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) de 2009, a soma de todas as riquezas produzidas no país. ¿Essa regra ficaria em vigor desde 2007, quando foi criada, até 2023¿, diz o economista.

Acontece que, em 2009, ano da crise, o PIB ficou negativo. Com isso, considerando a política de reajuste em vigor, os salários não deveriam ter quase nenhum aumento. E é justamente isso, segundo Geraque, o que o governo propõe. Os ministros dizem que o avanço da economia de 2010 ¿ o ano da recuperação ¿ faria com que os salários tivessem um forte avanço. Mas esse reajuste só seria debatido no ano que vem.

Ainda segundo as centrais, muitas categorias profissionais obtiveram aumentos acima da inflação, como consequência da recuperação da economia no ano passado. ¿Um reajuste na contramão dessa tendência diminuiria o valor do mínimo¿, ressalta Geraque. A previsão do economista é de que o Congresso votará de acordo com o governo não só porque a base de apoio é bem maior do que a oposição. ¿Se fossem votar de acordo com a própria realidade, os deputados deveriam levar em conta que os seus próprios vencimentos aumentaram 60% neste ano. Essa porcentagem supera em muito a somatória da inflação do ano passado e o resultado do PIB de 2009¿, ressalta Geraque. (UC)

Sarney quer mudar posses » Os próximos líderes do Executivo federal e local poderão ser empossados em nova data. É a intenção do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ele vai apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que transfere a posse do presidente e do vice-presidente da República para 10 de janeiro ¿ atualmente, ela é feita no primeiro dia do ano. A mesma PEC vai prever que governadores e vice-governadores, em vez de tomarem posse em 1º de janeiro, assumam o cargo em 5 de janeiro. A justificativa é que existe uma dificuldade em chegar a Brasília na data atual da solenidade.

O risco Serra » Denise Rothenburg

O senador Itamar Franco (PPS-MG) chega disposto a abrir um palanque para o ex-governador de São Paulo José Serra, candidato derrotado à Presidência da República. Tão logo a Comissão de Assuntos Econômicos esteja instalada, ele pedirá a convocação de Serra para que o tucano explique como seria possível pagar o salário mínimo de R$ 600 ainda neste ano, uma vez que o governo diz ser impossível conceder um aumento acima dos R$ 545 propostos.

O pedido de Itamar soa como um faca de dois gumes. Primeiro, se Serra apresentar dados concretos e factíveis, dará a oposição um discurso consistente para defender um valor mais elevado do que aquele defendido pelo governo. Caso contrário, Serra ficará numa situação difícil dentro de seu próprio partido, por ter apresentado na campanha um projeto inviável. Da parte de Serra, ele deve aceitar o convite, uma vez que procura um cenário em que possa se recolocar na ribalta da política.

Longo prazo A bancada governista, mais focada na disputa pelos cargos de segundo escalão, ainda não se posicionou sobre o convite a Serra. O governo tem dito que é impossível conceder um valor de salário mínimo superior ao que já foi proposto por conta da Previdência Social. No discurso que fez nessa semana, Dilma se referiu ainda à necessidade de criar uma política de longo prazo que seja compatível com o caixa do setor público. O governo enviará em breve essa política para o Congresso, que, segundo autoridades do governo, está de acordo com o que foi definido no ano passado com as centrais sindicais, quando o reajuste foi feito com base no PIB de dois anos anteriores mais a inflação.