Título: Falhas sanitárias ameaçam exportações do agronegócio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2008, Oponião, p. A14

A força do agronegócio brasileiro chamou a atenção para suas fraquezas. Há uma ofensiva dos concorrentes para provar que há graves falhas na fiscalização sanitária de grande número de produtos agropecuários. Os ataques são normais e esperados, o preocupante é que estejam dando certo e demonstrando a vasta vulnerabilidade das exportações agrícolas. Os riscos maiores para o país estão na União Européia, seu maior comprador da carne, que ontem encerrou, com restrições, um embargo ao produto que teve início em 31 de janeiro.

Em 2007, o Brasil foi um campo de prova de missões européias. Foram seis e já em 2008 são duas, uma que chegou e outra que virá. Ambas trazem perigos, se os defeitos evidentes não forem corrigidos com brevidade, o que não se conseguiu no passado, apesar de numerosas advertências. A UE é um mercado bilionário para as carnes brasileiras, que conseguem tornar-se competitivas ainda depois de pagarem altas barreiras tarifárias. Uma conjugação de displicência governamental, esperteza e descaso de alguns pecuaristas abriu várias brechas no sistema de rastreamento de gado bovino (Sisbov), que foram apontadas pelos técnicos europeus para barrar as exportações.

É surpreendente que os avisos de problemas no rastreamento tenham sido feitos com tanto tempo de antecedência, e descartados como algo sem importância. Menos surpreendente foi a declaração do próprio ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, de que frigoríficos haviam exportado carne não rastreada para a Europa. A declaração deu margem à grita interessada de alguns pecuaristas e seus porta-vozes parlamentares, mais preocupados com potenciais ameaças fiscais do Sisbov, mas era um segredo de polichinelo no setor.

A posição brasileira era insustentável e o número de propriedades submetidas à UE como aptas a exportar minguou aos poucos, e bastante. Começou com 2.681, que foram vetadas. Nova lista com 600 foi apresentada e rejeitada. O Brasil reduziu seu número para 150, em tese com auditorias já efetuadas. A UE achou falhas e apontou 106 apenas, que poderão exportar a partir de agora, enquanto que uma missão européia que chegou na segunda-feira ao país faz exame por amostragem dentre estas 106 para ver se elas são, de fato, confiáveis e atendem todos os requisitos técnicos.

Não há a menor pressa por parte da UE em ampliar o rol das propriedades brasileiras autorizadas. A oferta de carne das 106 escolhidas é claramente inferior à que o mercado europeu consumia. O conserto desta barbeiragem deverá consumir mais dois anos e milhões de dólares de perdas. Os preços da carne na Europa obviamente subiram - as vendas brasileiras correspondiam a 65% do volume importado e 56,5% do valor - para alegria dos pecuaristas irlandeses e do Reino Unido. Um negócio dessa magnitude foi incrivelmente atingido pela falta de profissionalismo de todas as partes envolvidas - governo, pecuaristas e frigoríficos.

É ruim, mas pode piorar. A UE já havia dado sinais de descontentamento com o sistema de controle de resíduos e contaminantes brasileiro. Proibiram as importações de mel do país e não querem mais discutir novas habilitações para frigoríficos exportarem pescados. Uma gama bem superior de produtos - de carnes a frutas - pode ser atingida após a passagem pelo Brasil, na semana que vem, de outra missão européia que virá para avaliar o sistema.

Basta olhar alguns números para indicar a alta probabilidade de problemas à vista. O Brasil concordou com a demanda européia de ampliar análises para 33 novos tipos de frutas e 43 hortaliças, e atingir a meta de realizar 40 mil análises de produtos animais e vegetais. Para isso, seriam necessários R$ 18 milhões, um custo quase irrisório diante das divisas que o agronegócio traz para o país. Por incrível que pareça, no orçamento de 2008, em discussão no Congresso, há apenas R$ 8,8 milhões para o programa (Valor, 27 de fevereiro). Não é um problema imediato - há um histórico de negligências. Em 2007, só R$ 840,6 mil dos R$ 22,5 milhões para tal finalidade foram gastos, segundo dados do Siafi (Valor, 18 de fevereiro).

O governo como um todo dorme no assunto há bom tempo e quando acorda, ou não sabe o que fazer, ou age tardiamente ou balbucia desaforos patrióticos contra o protecionismo. É a receita certa para novos desastres.