Título: Anbid fará análise de ofertas públicas
Autor: Bautzer , Tatiana ; Vieira , Catherine
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2008, Empresas, p. B2

Luiz Fernando Resende, da Anbid, espera inaugurar o novo processo com títulos de dívida já no segundo semestre A associação dos bancos de investimento (Anbid) deverá fazer a partir do segundo semestre boa parte do trabalho de análise de documentos para registro de ofertas públicas de empresas, hoje centralizado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A idéia é acelerar o trâmite da análise, reduzindo o prazo de concessão do registro em ofertas públicas de dívida e ações.

A Anbid tem a expectativa de assinar o convênio com a CVM em meados de julho. Amanhã haverá uma nova rodada de negociações para tentar chegar aos termos da minuta prévia.

A data da assinatura ainda não está fechada, segundo a presidente da CVM, Maria Helena Santana, porque há muitos detalhes em negociação e também porque será necessário editar novas resoluções para passar parte da análise ao setor privado. "Existe a predisposição positiva, mas há questões práticas. A partir do momento em que se apresentar uma minuta dos termos, será preciso que as áreas técnicas, o colegiado e a jurídica analisem todo esse conteúdo até que se possa sacramentar a assinatura", afirma a presidente.

Atualmente operações mais simples de dívida recebem o registro em até dois meses, enquanto a média de tempo de análise dos processos de abertura de capital é de três meses. Mas casos mais complicados, de empresas que não são operacionais quando abrem o capital nas bolsas, o prazo pode superar seis meses. Espera-se que pelo processo acelerado os registros mais simples possam sair em menos de um mês e os mais complicados, em até três.

Pelo convênio, a Anbid identificará problemas nos documentos e pedirá correção de dados em prospectos diretamente às instituições coordenadoras. Só enviará os dados à CVM quando estiverem em conformidade com os regulamentos. Ao receber os documentos já conferidos, a CVM concederá os registros num procedimento expresso, de até cinco dias úteis.

"De fato a idéia é ter uma avaliação prévia da Anbid que poderia resultar nesse 'fast track' aqui", diz Maria Helena. "Nós temos disposição de fazer, e pelo nosso lado e a procuradoria também analisou a questão e acredita que é viável."

O vice-presidente da Anbid Luiz Fernando Resende diz que o convênio prevê a implantação em etapas. Seriam transferidos primeiro, no início do segundo semestre, os processos para registros de emissões de dívida como debêntures ou notas promissórias.

Numa segunda fase, até o fim do ano, viriam registros para vendas secundárias, de ações de empresas que já tenham capital aberto. As operações mais complexas, como abertura de capital, só passarão para o sistema montado pela Anbid no primeiro trimestre de 2009. As empresas sentirão a mudança: o novo sistema praticamente obrigará as companhias a aderir ao nível 1 de governança empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo.

Para supervisionar o novo departamento, a Anbid contratou como superintendente Emílio Otranto, que está saindo do Banco Votorantim.

A montagem da estrutura é assessorada pela consultoria Korn Ferry e pelo escritório de advogados Motta Fernandes.

Teoricamente, será mantida a possibilidade de pedido de registro pelo método tradicional, na CVM, sem passar diretamente pela Anbid. Neste caso não haverá o procedimento expresso.

Mas a Anbid já planeja que todos os seus associados utilizem o novo processo como via preferencial de registro. Os associados que decidirem entrar diretamente podem ser punidos, diz Resende. Todos os bancos de investimento mais ativos e grandes gestores de recursos fazem parte da associação. "As instituições que não têm o selo Anbid podem entrar diretamente na CVM, mas isso vai tornar a distribuição da oferta mais difícil", diz o vice-presidente da Anbid. Hoje a Anbid já exige que os coordenadores entreguem os documentos apresentados à CVM, mas não tem poder de fiscalização.

A adesão ao nível 1 de governança da Bovespa em até seis meses após a oferta pública é uma exigência do código de auto-regulação que passa a orientar também o processo de análise de documentos para registro. Para as empresas, o nível 1 exige, além de informações mais detalhadas ao mercado, que pelo menos 25% de seu capital esteja em negociação nas bolsas de valores. "Não é nada dramático em termos de governança, o nível 1 é o mínimo para para as empresas que querem acessar o mercado hoje", diz Resende.

Para a CVM, a vantagem do convênio, que começou a ser negociado ainda na gestão do ex-presidente Marcelo Trindade, é liberar funcionários para o futuro departamento de fiscalização, cuja criação depende de um decreto presidencial.

Internamente, funcionários da CVM vêm chamando o novo departamento de 'enforcement', inspirado numa divisão da comissão americana de valores mobiliários (SEC) responsável por investigar e processar crimes nos mercados de capitais.

O departamento pune desde irregularidades nas operações de fundos de investimentos e instituições financeiras até investidores que usam informação privilegiada ou estelionatários que criam esquemas fictícios de investimento. Reduzir o trabalho burocrático deixaria mais tempo para que os funcionários da CVM se dedicassem a esse tipo de investigação.

O processo de registro de ofertas públicas será a primeira etapa do convênio com a CVM. Está em negociação, para uma segunda etapa, um processo para obtenção mais rápida do registro de fundos de investimento.

A terceira e última etapa é bem mais polêmica. A Anbid quer negociar com a CVM a utilização de termos de compromisso feitos entre instituições infratoras e a Anbid. Hoje a Anbid já tem processos administrativos para punição de infrações ao código de auto-regulação.

A associação quer que os termos de compromisso sejam usados de alguma forma nos processos abertos pela CVM contra instituições. Mas os processos administrativos da Anbid têm punições limitadas. Dependendo da infração, a Anbid pune com advertências públicas ou privadas, multas ou no máximo expulsão. O poder da CVM é muito maior - além de multar, a autarquia pode inabilitar executivos para atuar em empresas abertas, cancelar registros de empresas e ofertas e eventualmente comunicar ao Ministério Público crimes contra o mercado de capitais encontrados durante as investigações dos inquéritos administrativos.

Segundo uma pessoa que acompanha as conversas, a autarquia não perderá poder regulatório para a Anbid, apenas ganhará mais alternativas. Poderá ser levado em conta, afirma a fonte, a punição já aplicada pela associação. Ou o fato de a entidade ter sido punida na Anbid poderia incentivar termos de compromisso na CVM.