Título: Fazer renda
Autor: Vieira , Maria Cândida
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2008, Empresa & Comunidade, p. F1

Itens da coleção para chefs de cozinha Roupas de moda para duas estilistas, uniformes para empresas, bolsas e sacolas de brindes fazem partem do dia-a-dia da costureira Maria da Conceição Oliveira, 57 anos, três filhas e uma neta, que junto com mais três colegas, forma um grupo fixo de costureiras no bairro Riviera Paulista, às margens da represa Guarapiranga, em São Paulo. Quando estão com muito trabalho, chamam outras quatro profissionais para ajudá-las.

Trabalhando de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas, Conceição e suas colegas ganham de um a dois salários mínimos (R$ 380 a R$ 660) por mês, dependendo do volume de pedidos, enquanto as temporárias recebem em média R$ 35 por dia. "O grupo funciona há oito anos. Temos sete máquinas de costura industrial, máquina de corte, mesas, armários e todo material necessário para desenvolvermos a costura", orgulha-se Conceição, destacando que os equipamentos estão todos pagos.

Conceição e o grupo têm apoio da Paróquia dos Santos Mártires, da Igreja Católica, que ajuda nos contatos para obter mais trabalho e na compra de equipamentos. Recebeu ainda auxílio para afzer cursos de aperfeiçoamento, formação de preços e venda de produtos da Associação Mundaréu, criada em 2001, que tem como objetivo criar oportunidades de geração de trabalho e renda para pessoas excluídas do mercado formal de trabalho.

O grupo de Conceição é um exemplo de um número incalculável de ações sociais espalhadas pelo Brasil, adotadas por empresas, igrejas, associações, organizações não governamentais, cooperativas e órgãos do governo para criar ou melhorar a renda de populações carentes. Como o nível educacional dessas pessoas geralmente é baixo, as iniciativas são voltadas para atividades manuais que elas já sabem fazer como costura, bordado, cestaria, marcenaria, ou seja, atividades artesanais, tanto o rural como o urbano.

"Não existe só o artesanato de raiz, porque a própria cultura indígena, por exemplo, sofreu por profundas mudanças. Na periferia de São Paulo, vivem a terceira ou quarta gerações de nordestinos, que seguem parte da cultura regional, misturada ao hip hop, DJ, pagode e tradição operária", diz Lizete Prata, presidente da Associação Mundaréu. A entidade ajudou a organizar 15 projetos, orientando na linha de produtos, trabalho em grupo, formação de preços e vendas. A Mundaréu tem uma relação de 100 grupos para vender produtos em sua loja da Vila Madalena, em São Paulo.

Tantas ações para estimular o artesanato exigem diferenciais para chegar ao mercado, porque a concorrência é grande. No Brasil, de acordo com últimos dados disponíveis do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1998, existiam 8,5 milhões de artesãos. O artesanato, segundo estimativas, movimenta em torno de R$ 30 bilhões por ano, mas o número é subestimado pelo alto grau de informalidade que existe no segmento.

"Há mercado para todos os tipos de artesanato, da mesma forma que existe mercado para roupa popular e de grife. O nível do produto define qual é o mercado. Não é porque é barato que tem que ser uma porcaria", diz Ricardo Pedroso, diretor do Projeto Terra, empresa com três lojas de artesanato, em São Paulo, voltadas para os públicos A e B.

Pioneiro na abertura de uma loja de artesanato em um shopping, em 2001, para apoiar projetos de inclusão social e ecológicos, Pedroso tinha naquele ano 15 fornecedores. Atualmente, são 300. Em suas lojas, ele trabalha com mais de 4 mil itens para decoração de casa, esculturas, bijuterias, xales e mantas. "Só trabalho com produtos de qualidade, originais. Vendo, por exemplo, um jogo de cerâmica de Caruaru feito por um mestre e não por quem copia o mestre. Um leigo não percebe, mas quem conhece artesanato percebe", afirma Pedroso.

Além de qualidade, design e criatividade são fundamentais. O designer Roberto Imbroisi, que há 30 anos trabalha com artesanato, desenvolve com os artesãos novas peças, cores, formas, aplicações e materiais. "Eu faço com que os artesãos pensem em criação, desenvolvam novos produtos com suas características culturais, suas matérias-primas exclusivas", afirma. Parceiro constante do Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Imbroisi desenvolveu, entre outros, os trabalhos: flores do cerrado (Brasília), tecelagem manual e crochê (sul de Minas), costura e bordado (Rio Grande do Sul) e renda renascença (Paraíba).

Para a 13ª Paralela Gift, feira de design e produtos contemporâneos, que acontece de 29 deste mês a 3 de março, em São Paulo, Imbroisi coordenou 23 grupos de mulheres artesãs (300 participantes) do Distrito Federal, para desenvolver produtos de copa e cozinha, em homenagem a culinária brasileira, que resultou na coleção "Na Linha dos Chefs de Cozinha" (ver fotos). Vários chefs, entre eles, Alex Atala, de São Paulo, e Ana Quaresma, do Rio de Janeiro, elaboraram pratos, que serviram de inspiração para os bordados das artesãs.

"Iniciamos o trabalho dos chefs em novembro de 2007", diz Antonieta Contini, do Sebrae-DF, que há 15 anos trabalha com artesanato. Segunda ela, o projeto faz parte de inclusão social de mulheres e jovens. Depois da participação da Paralela Gift, muitas artesãs vão se tornar profissionais autônomas e outras irão trabalhar em empresas. "Já formamos cerca de 100 grupos, envolvendo 10 mil mulheres." O Sebrae-DF controla a qualidade dos produtos.

As maiores dificuldades dos grupos, segundo Imbroisi, são garantir qualidade dos produtos, liderança, continuidade do trabalho, e, principalmente, cooperação e associação das pessoas, porque é cada vez mais difícil colocar peças artesanais no mercado de forma isolada.

Nas empresas privadas, onde se adotam programas de responsabilidade social, também há preocupação em mensurar os resultados dos grupos. Na Refinaria Manguinhos, do Rio de Janeiro, uma das únicas refinarias privadas de petróleo, de 32 alunos que fizeram cursos de marcenaria em 2006/2007, três trabalham como autônomos, um com brinquedos de encaixe, um com instrumentos musicais alternativos, três em atividades do Carnaval e não se sabe o que os demais estão fazendo.

Já das 48 pessoas que fizeram curso de costura, uma trabalha em uma grife, dez estão em atividades do Carnaval, duas fazem bonecas, cinco são autônomas, produzindo biquínis, bolsas e tops. Dos restantes, não há informações. "Em 2008, a nossa prioridade é saber onde está cada um dos nossos alunos", diz Cyntia Barthel, coordenadora de comunicação. Os cursos formaram 110 marceneiros e 120 costureiras de 2001 a 2007. A refinaria ainda tem ações de inclusão digital e atividades artístico-culturais em 27 comunidades de bairros como Benfica, Mate, Caju e Manguinhos.

O funcionamento de grupos sociais exige conhecer a cultura próxima da realidade das pessoas, lembra Inês Meneguelli Acosta, diretora executiva do Instituto Conselho da Mulher, projeto de responsabilidade social da Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Cônsul. Pelas duas casas de Joinville, em Santa Catarina, e Rio Claro, em São Paulo, já passaram 120 mil pessoas desde a implantação do instituto em 2002 pelos cursos de artesanato, idiomas, música, dança, teatro e outros.

"As culturas das duas cidades são muito diferentes. Os grupos precisaram começar de forma diferente", afirma Inês. Em Joinville, onde há forte influência alemã e cultura de só trabalhar, o início foi com um grupo de dança gauchesca (mistura de música gaúcha com um tipo de forró), que trouxe os homens e a descontração dos casais. Em Rio Claro, cuja história é marcada pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que chegou à cidade em 1875, houve o resgate do vagonite, um tipo de bordado inspirado nos vagões de trens.

O objetivo de todas as iniciativas sociais é que com a capacitação fornecida, as pessoas se tornem autônomas, consigam renda maior e melhoria de qualidade de vida. "Aqui não é projeto social, o artesão precisa se tornar um microempresário", diz Tânia Magalhães, diretora da Mãos de Minas, central que aglutina cerca de 130 cooperativas e 7 mil artesãos, que se tornou associação sem fins lucrativos em 1988. A instituição legaliza as atividades dos artesãos (CNPJ e inscrição estadual), central de compras, de vendas, de exportações e outros serviços.

Em 2007, o faturamento da Mãos de Minas foi de R$ 36 milhões e as exportações somaram US$ 1,2 milhão. Os principais importadores são Portugal, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Holanda e França. Para alavancar as vendas lá fora, a entidade tem um centro de distribuição em Sintra, Portugal, e abriu um show room em Nova York.

Se a meta é que pessoas tenham vôo próprio, Roze Mendes, 45 anos, três filhos, é exemplo. A Flor do Cerrado, que teve apoio do Sebrae-DF, atua como empresa desde 2006, em Samambaia, cidade satélite de Brasília. Usando folhas típicas dos cerrados, que são cozidas, faz bolsas, bijuterias, almofadas e outros produtos, tendo como carro-chefe os painéis de flores. Sem revelar números de faturamento, ela trabalha com 20 pessoas e já exporta. Em 2006, ela recebeu o prêmio Mulher Empreendedora do Sebrae. E ganhou uma loja virtual ( www.flordocerrado.net ), bancada pelos Correios, Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil.