Título: Divergência entre ministros provoca recuo em plano de privatizar Infraero
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 29/02/2008, Brasil, p. A2

Divergências internas fizeram o governo recuar do plano de privatizar a Infraero. A venda do controle acionário da empresa, conformou informou ontem o Valor, vinha sendo estudada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas esbarra na resistência de setores do governo contrários à desestatização. Ontem, fontes oficiais informaram que a proposta de privatização foi "superada" no BNDES.

Desde o início das discussões sobre a reestruturação da Infraero, o plano do governo era abrir o capital da companhia, vender 49% das ações e manter o controle acionário nas mãos da União. Numa primeira avaliação dessa possibilidade, o BNDES consultou representantes do setor privado e constatou que investidores não têm interesse em investir numa empresa controlada pelo governo. Por causa disso, o banco passou a analisar a possibilidade de abertura do capital e posterior venda do controle (51% das ações com direito a voto).

O BNDES, segundo informaram ao Valor fontes graduadas envolvidas nas negociações, teria recebido autorização da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para estudar a privatização. Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que é contrário à venda do controle, telefonou para Dilma e cobrou uma posição sobre o assunto. Pouco tempo depois da conversa dos dois, o BNDES soltou nota oficial desmentindo que estivesse estudando a privatização.

Na nota, o presidente do banco, Luciano Coutinho, declarou que o BNDES, a pedido do governo, "estuda a abertura do capital da Infraero, mantendo o Estado como acionista majoritário e o controle público sobre a companhia". Segundo ele, o objetivo é profissionalizar a gestão da estatal e abrir seu capital no Nível 2 da Bovespa (o mais exigente em termos de governança corporativa). Coutinho classificou de "especulações" as informações de que o banco estaria preparando a venda do controle da estatal.

No mesmo dia do desmentido do BNDES, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, a quem o banco está vinculado, defendeu a venda da Infraero. "Pessoalmente, como ministro, defendo que a Infraero seja totalmente privatizada", declarou o ministro em São Paulo. Ele explicou que, com o dinheiro da privatização, o governo poderia reformar pistas de pouso de aeroportos administrados pela Infraero. "A situação dos aeroportos (com a privatização) seria melhor do que a de hoje."

A presidente da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), Solange Vieira, também defende a privatização da Infraero. Em reuniões internas no governo, ela sugeriu que a melhoria dos aeroportos só será obtida com a desestatização. Segundo um ministro que participou dessas reuniões, em todas as ocasiões a posição foi rejeitada por outros integrantes do governo.

"Já tivemos que dar um 'chega-pra-lá' também no governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que propôs a privatização do Galeão", informou o ministro. No Ministério da Fazenda, apesar da oposição de Mantega à privatização, assessores propuseram que o governo adotasse um regime de concessões na administração dos aeroportos, mesma proposta defendida por empresários junto ao BNDES.

A oposição de setores do governo à venda da Infraero tem razões políticas. Por motivos ideológicos, o PT é contra as privatizações, bem como os representantes de centrais sindicais com cargos em Brasília. Por causa disso, desde seu primeiro mandato, o governo Lula não privatizou, por decisão própria, uma empresa sequer - a única desestatização ocorrida nos últimos cinco anos foi a do Banco do Estado do Ceará, preparada pelo governo anterior. Outros dois bancos estaduais estatais remanescentes (Piauí e Santa Catarina) serão incorporados pelo também estatal Banco do Brasil. Na avaliação de assessores do presidente, uma das razões de Lula ter sido eleito em 2002 e reeleito em 2006 é o seu compromisso de não privatizar.

Para o presidente da Infraero, Sérgio Gaudenzi, a privatização é "complicada", porque a empresa tem que atender "ao conjunto dos aeroportos do país". Dos 67 aeroportos administrados pela estatal, de 10 a 12 são lucrativos. Os demais, disse, são deficitários e precisam de investimentos públicos. Ressaltou, porém, que a abertura de capital, preservando o controle acionário da Infraero com a União, é uma necessidade. (Colaborou Daniel Rittner, com agências noticiosas)