Título: Vazão de Sobradinho preocupa áreas de irrigação
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 29/02/2008, Brasil, p. A3

As sete bombas do Distrito Irrigado de Maniçoba, em Juazeiro (BA), alguns quilômetros abaixo da represa de Sobradinho, estão funcionando a pleno vapor. Elas captam mensalmente 7 milhões de metros cúbicos de água do rio São Francisco para irrigar cerca de 5 mil hectares de terras que produzem, principalmente, uvas e frutas tropicais. Mas duas das poderosas bombas - até 800 cavalos de força - começam a gavitar. No jargão técnico, gavitar quer dizer roncar, porque, na insuficiência de água, a bomba puxa também ar e corre o risco de quebrar. Para que as bombas voltem a sugar apenas água, é necessário fazer a dragagem do ponto de captação.

A narrativa acima é baseada no relato, por telefone, de Arned Gomes de Castro, gerente-executivo do Distrito Irrigado de Maniçoba. "Tivemos bastante dificuldade por uns 15 dias, até que a Chesf começou a dragagem aqui da nossa área", conta. Segundo Castro, uma ilhota apareceu em frente ao ponto de captação e muitas pedras emergiram do leito do rio. "Tem um ponto aqui que precisa ter um metro e meio de profundidade e está com 60 centímetros."

Desde o dia 2 deste mês, a barragem de Sobradinho, reservatório que regula o fluxo de água no submédio e baixo São Francisco, libera apenas 1.100 m3 de água por segundo, 200 m3/s abaixo do mínimo definido pelo Plano da Bacia do Rio São Francisco e reconhecido pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Ibama, que licencia as barragens.

A Chesf é a subsidiária da Eletrobrás que administra as barragens e usinas ao longo do Velho Chico, responsáveis por mais de 90% da energia consumida no Nordeste em tempos normais. Os tempos não são normais. As chuvas, do Nordeste ao Sul do país, estão abaixo da média histórica e as águas de Sobradinho, usadas até quase à exaustão no período seco de 2007, chegaram a menos de 13% do nível normal em dezembro.

Com as chuvas de verão atrasadas, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) começou a se movimentar para conseguir que a vazão mínima do rio a partir do lago fosse reduzida a menos de 1.300 m3/s. Em 20 de dezembro, o Ibama concedeu licença especial provisória autorizando a redução. Em seguida, a ANA editou a resolução 607/2007, autorizando a Chesf a reduzir a vazão para 1.100 metros m3s até 30 de abril deste ano.

No passado recente, a medida só tem precedente em 2001, ano do "apagão" quando a vazão mínima da barragem chegou a 900 m3/s. A redução abaixo de 1.300 m3/s também foi autorizada em 2003, mas a intensificação das chuvas tornou a medida desnecessária.

"Fizemos reuniões em dezembro e janeiro com os Estados afetados (Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), com o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco), com todos os interessados. O ONS e a Chesf apresentaram seus argumentos. Apenas após se chegar a um entendimento é que a medida foi implantada", diz Oscar Cordeiro Netto, diretor da ANA.

Em 15 de janeiro, o presidente do Comitê, Antônio Thomaz da Matta Machado, enviou circular aos membros da entidade e aos usuários das águas do São Francisco, comunicando que, em reunião convocada pela ANA, o organismo posicionou-se contra a diminuição da vazão mínima do rio. Segundo a circular, "o setor elétrico usou todo o estoque de águas dos reservatórios (do rio), de fevereiro a dezembro (de 2007), sem observar as previsões meteorológicas e as necessidades dos demais setores".

Segundo Cordeiro Netto, antes de autorizar a implementação da medida, a ANA inspecionou os pontos de captação em janeiro e tem monitorado a região para verificar a gravidade do problema. "Se houver alguma situação crítica, a autorização pode ser interrompida antes de 30 de abril", disse. De acordo com o dirigente, apesar de alguns "transtornos" em captações e travessias (o rio muito raso dificulta o trânsito das balsas), não chegou à ANA até o momento "nenhuma reclamação de monta".

Do ponto de vista puramente energético, a estratégia proposta pelo ONS, e implementada pela Chesf, tem dado certo. Com as chuvas que começaram a cair nas regiões do alto e do médio São Francisco a partir da segunda metade de janeiro, e com Sobradinho mantendo descarga baixa, o nível do lago saiu de menos de 13%, na primeira quinzena de dezembro de 2007, para 37,17% no último dia 27. Naquela data, já com as chuvas novamente escassas, Sobradinho estava recebendo 2.160 m3/s e liberando 1.106 m3/s. Mesmo com a melhora, só um março muito chuvoso elevará o nível da barragem para perto dos 98% de março/abril do ano passado.

Nos principais perímetros irrigados que captam as águas abaixo da barragem, há por enquanto mais preocupações do que problemas. A Chesf está fazendo o trabalho de dragagem para evitar a parada das bombas. "Estamos monitorando a captação. Estamos no nível mínimo e a expectativa é que a Chesf não deixe o rio baixar mais", disse Francisco Miranda, gerente do Distrito Irrigado de Curaçá. Aldemário Guimarães, gerente do Distrito Irrigado de Mandacaru, com 63 usuários das águas, disse que a captação, por enquanto, está normal, embora tenha sido reduzida a vazão das bombas.

O agrônomo e pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, disse que ficou chocado ao ver pela televisão um homem atravessar o São Francisco de moto entre Sergipe e Alagoas. Para ele, a escassez atual prova que não há complementaridade entre os ciclos de cheia e vazante do São Francisco e as chuvas no Nordeste. "Em dezembro, Sobradinho estava a 13% da capacidade e 158 municípios da Paraíba estavam em estado de emergência", diz o pesquisador.

Suassuna é um dos maiores opositores ao projeto de transposição do São Francisco. Ele diz que a atual vazão de Sobradinho mostra como é complicado um projeto que retire ainda mais água do São Francisco sem a perspectiva de que ele acabe com a escassez.