Título: Estados reagem à limitação da guerra fiscal
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Fonte: Valor Econômico, 29/02/2008, Política, p. A10

O governo recuou na decisão de zerar a alíquota de ICMS na origem mas não conseguiu agradar à grande maioria dos Estados, que ainda acharam insuficiente o patamar de 2% no destino. "Vamos fazer as contas para ver se 2% é possível ou não", comentou ontem o secretário mineiro da Fazenda, Simão Cirineu Dias. Segundo ele, a redução da alíquota de 7% para 2% representará uma perda de R$ 1 bilhão por ano para Minas Gerais.

O cálculo dos técnicos mineiros é de que cada ponto percentual no ICMS cobrado na origem representa uma perda de R$ 200 milhões por ano. "Queríamos 4%", informou Dias. Segundo ele, este seria um patamar razoável para os Estados "exportadores", como Minas e São Paulo que vendem grande parte da produção para outros Estados. "Os Estados exportadores são os que perdem mais".

Mesmo Estados que pouco produzem internamente, como o Mato Grosso - onde 60% dos produtos consumidos são oriundos de São Paulo- reagiram ao percentual. "O Mato Grosso não ganha com a tributação no destino, porque nossa base de consumo é muito pequena, em função da população baixa. Dois por cento na origem me parece um número que o governo colocou para discussão. Vamos tentar brigar por mais", comentou o secretário mato-grossense da Fazenda, Eder Moraes.

Sobre o fundo de desenvolvimento regional, o secretário mineiro comemorou o fato de Minas Gerais ter conseguido incluir 90 municípios entre os que serão beneficiado. Mas considerou baixo o valor destinado ao fundo - R$ 9,5 bilhões em 2010. A longa negociação que retardou por muitos anos o fundo de compensações da lei Kandir também causa desânimo aos Estados. "Pessoalmente acho que a história mostra que isso não funciona", disse Eder Moraes.

Governador de São Paulo, principal Estado produtor do país, o tucano José Serra disse que acha de "difícil materialização" a proposta de suspender o repasse do fundo de participação para os Estados que concederem novos benefícios, "por causa do problema político que criaria". Serra comentou que deve discutir com o governo federal a possível eliminação do ressarcimento que os Estados recebem pela isenção de exportações de produtos manufaturados. "Isso seria inconveniente, já que outras mudanças do ponto de vista de São Paulo vão implicar em redução de receita, como é o caso da alíquota interestadual de 2%. Seria um esforço para São Paulo, mas esta medida vale a pena pois ajudaria a reduzir o ímpeto da guerra fiscal", afirmou.

No Rio de Janeiro, o governo estadual tende a condicionar seu apoio à mudança da tributação sobre o petróleo. Hoje o petróleo é tributado apenas no destino e não na origem, tratamento especial dado também para a energia elétrica O Rio é o maior produtor de petróleo do país, mas só tem uma refinaria, e exporta petróleo bruto para ser processado para o resto do país sem receber ICMS pela venda.

Segundo o secretário fluminense da Fazenda, Joaquim Levy, esse tratamento tributário diferenciado faz com que o Estado deixe de ganhar entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões - considerando as atuais alíquotas de ICMS de 7% a 12% - e não está claro se o petróleo continuará tendo o mesmo tratamento ou se será aplicada a taxa de 2% a 4% na origem. "Acho que não há razão para que não se faça com que o petróleo e a energia elétrica tenham o mesmo tratamento. Seria interessante se já agora houvesse uma harmonização", disse Levy.

Mesmo sem ter feito cálculos elaborados, Levy estima que o custo para Rio da proposta de reforma tributária será de aproximadamente R$ 700 milhões, já que setores como o siderúrgico, petroquímico, químico e farmacêutico vendem mais para fora do que compram, enquanto no varejo a arrecadação pode aumentar. Se for dado um tratamento isonômico para o petróleo (tributação na origem de 2%), a perda poderá ser neutralizada.

O superintendente da Sudene, Paulo Fontana, taxou a proposta de "retrocesso". Pelos cálculos iniciais do gestor da autarquia, caso a reforma tributária entre em vigor, a Sudene passará a gerenciar cerca de R$ 5 bilhões, que fariam parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Hoje, estão em suas mãos apenas R$ 1,3 bilhão do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste. Entretanto, de dinheiro novo para a região haveria apenas R$ 700 milhões dos R$ 5 bilhões de recursos destinados ao Nordeste. O restante seriam recursos que já são aplicados na área, mas por meio de outras instituições, como o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, administrado pelo Banco do Nordeste (BNB). A expectativa inicial era que o Nordeste contasse com novos recursos de cerca de R$ 2,5 bilhões.

Em nota, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), foi protocolar: elogiou a nova proposta de reforma tributária como "a melhor que já apareceu até agora", mas se manifestou, entretanto, contrário ao fim imediato dos incentivos fiscais. "Precisamos ter coragem de construir as regras de transição que nos permitirão acabar com a guerra fiscal e delegar à União a competência para implementar políticas de desenvolvimento regional e interregional ", disse. Reunidos em Aracaju, os secretários de Fazenda dos Estados nordestinos passaram a tarde e a noite de ontem discutindo a proposta de reforma tributária. Querem que pontos como os fundos de desenvolvimento regionais, a Lei Kandir e a forma de cobrança do ICMS sejam rediscutidos.

"A proposta contempla os interesses dos Estados, mas mesmo assim vamos pleitear seu aperfeiçoamento", disse o secretário de Fazenda de Sergipe, Nilson Lima, para quem a política de desenvolvimento regional precisa dar maior segurança ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste. "Concordamos que a guerra fiscal não é mais eficaz, mas para deixar isso para trás precisamos maior alocação de recursos no fundo de desenvolvimento", ressalta.

A reforma foi bem recebida no Paraná. "Tanto faz se na origem é zero, 2% ou 4%. Somos importadores e exportadores", disse o secretário da Fazenda, Heron Arzua. O secretário argumenta que para os principais produtos a alíquota já é zero, como combustível, energia e telecomunicações. "Não há unanimidade no mundo sobre esse imposto", afirmou. Segundo Arzua, a reforma irá organizar um pouco a cobrança do ICMS, "que hoje é um caos".

Em Santa Catarina, o governador Luiz Henrique (PMDB) apoiou o novo texto de forma taxativa. "A proposta que cria IVA federal e propõe uma legislação unificada para o ICMS estadual é consistente. Se ela prosperar, nós teremos um novo país", disse. (Ivana Moreira, de Belo Horizonte; César Felício, de São Paulo; Carolina Mandl, do Recife; Raquel Salgado, de Salvador; Marli Lima, de Curitiba, e Vanessa Jurgenfeld, de Florianópolis; com agências noticiosas)