Título: Um conflito de interesses que acabou em escândalo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/02/2008, Opinião, p. A14

É impressionante a capacidade do governo de cozer as suas próprias saias justas. A do momento é a que veste o ministro do Trabalho e Emprego e presidente do PDT, Carlos Lupi. Tudo começou com a queda-de-braço entre o então presidente da Comissão de Ética Pública, Marcílio Marques Moreira, que argumentava existir conflito de interesses entre a presidência do partido e o ministério, e Lupi, que dizia não existir ilegalidade no acúmulo de funções. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lavou as mãos.

O caso Lupi, agora, ficou grande: é a soma de pequenos escândalos denunciados sistematicamente pela mídia, e que envolvem o favorecimento de entidades ligadas ao PDT, e indícios fortes de que sua gestão serve igualmente aos interesses da Força Sindical, central sindical ligada ao seu partido. Irregularidades que corroboram o parecer da comissão, de que há, efetivamente, conflito de interesses: o Lupi que preside o PDT é o mesmo que favorece o PDT como ministro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convidou para compor o seu governo o presidente do PDT, partido que integra a sua base parlamentar, justamente porque ele era presidente do PDT, chegou a argumentar o antecessor de Lupi e hoje ministro da Previdência, Luiz Marinho, em defesa do colega. É uma estranha escolha. Os pareceres da Comissão de Ética Pública, então, já consolidavam o entendimento de que havia conflito de interesses no acúmulo de um cargo partidário e um executivo, e todos eles foram acatados pelo governo. Antes que Lupi ascendesse ao ministério, o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, afastou-se do cargo para assumir interinamente a presidência do PT, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, passou a presidência de honra do PR para o governador Blairo Maggi para permanecer ministro e o próprio Lula, quando assumiu o primeiro mandato, afastou-se do Instituto Cidadania. O lógico seria, diante disso, que, ao convidar o presidente do PDT para assumir o ministério, Lula tivesse colocado como condicionante que se licenciasse do cargo partidário. Quando deu posse ao presidente do PDT como ministro, criou automaticamente um problema com a Comissão de Ética Pública.

Ainda assim, o acúmulo de funções não é ilegal - e é nisso que se apega Lupi e seus defensores no governo. A lista de denúncias que acumula contra si, no entanto, pode indicar que o legal nem sempre é o ético. Segundo reportagem da "Folha de S. Paulo" publicada na semana passada, pelo menos 12 convênios assinados pelo ministério autorizaram a destinação de R$ 50 milhões a entidades e pessoas ligadas ao PDT, e R$ 14,7 milhões foram repassados a duas entidades (DataBrasil e Inesp) parceiras da Força Sindical, presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP).

O ministro colocou-se na posição de "perseguido" - e era vitimado por ser trabalhista, como o foram Getúlio Vargas e Leonel Brizola. A sua ação no mundo sindical, todavia, mostra que pode estar sob a mira dos órgãos de imprensa e da opinião pública não pelo que o trabalhismo teve de bom na história sindical e partidária do país, mas pelos seus vícios. Lupi é um ministro da Força Sindical, uma das sete centrais sindicais que abrigam o universo dos trabalhadores formais do país. A Força é ligada ao PDT. E encabeça a lista de seis centrais que assinaram uma moção de apoio a Lupi. A CUT, principal concorrente da Força, ficou de fora - embora, para não comprar briga com o PT, não tenha partido para a ofensiva contra o ministro.

No mês passado, o "Correio Braziliense" publicou uma reportagem denunciando que Lupi tem distribuído irregularmente registros para sindicatos ligados à Força Sindical. O ministro comporta-se como um trabalhista de fato, dos antigos. O velho PTB, durante e após o último governo de Getúlio Vargas, cresceu e ganhou capilaridade enquanto ocupou o Ministério do Trabalho. No governo, teve controle sobre um sindicalismo que era totalmente vinculado ao Estado e usou-o para nacionalizar o partido, que por sua vez deu a hegemonia ao trabalhismo no aparelho sindical. Dificilmente Lupi vai conseguir fortalecer o seu partido e a Força Sindical usando o ministério, mas ele certamente copia indefensáveis práticas do passado.

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