Título: Lições de Vanuatu
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Opinião, p. A9

Você sabe onde fica Vanuatu? A enciclopédia informa que fica no sudoeste do Oceano Pacífico, entre as ilhas Fiji e a Austrália. Trata-se de um país formado por 83 ilhas, alvo freqüente de ciclones, tsunamis e outros tremores. Habitado há séculos - pelos menos há 3.500 anos - por nativos que, acredita-se, partiram da Nova Guiné e das ilhas Solomon, foi descoberto em 1605 por um espanhol que, aparentemente, não deu muita importância ao feito. Em 1764 foi a vez de um francês aportar por lá, seguido em 1774 do lendário capitão inglês James Cook, que "descobriu" a Nova Zelândia, a Austrália e, na busca de um continente no sul do Pacífico, aportou em 1775 na Terra do Fogo. Mas isso não vem ao caso. Administrado a partir de 1906 por um consórcio franco-inglês, único no mundo, Vanuatu ganhou independência em 1980, quando se tornou uma república parlamentarista. É hoje importante centro financeiro off-shore. Mas não é por esse motivo que Vanuatu faz parte da lista de 11 países - ao lado de Ucrânia, Egito, Tunísia e Zâmbia, entre outros - que mereceram atenção especial do FMI no trabalho "Monetary Policy Implementation at Different Stages of Market Development" (Implementação da Política Monetária em Diferentes Estágios de Desenvolvimento do Mercado), apresentado ao "board" de diretores do Fundo em outubro passado e há três dias liberado para divulgação. Vanuatu, como os demais dez países citados no estudo, é um dos casos selecionados para exemplificar os vários estágios de evolução da política monetária em termos empíricos. O texto contém noções básicas que sempre passam ao largo das discussões sobre o tema no Brasil, e pode ser encontrado no site do Fundo: www.imf.org Só em 1988, o Banco de Reserva de Vanuatu (RBV) começou a impor o recolhimento compulsório sobre os depósitos bancários. No Brasil, a imposição existe há muito mais tempo. É uma forma de controlar a velocidade da circulação da moeda na economia e evitar, assim, o excesso de liquidez que leva as pessoas a comprarem mais do que poderiam. É um dos instrumentos monetários clássicos, afeto ao poder regulatório dos bancos centrais. Algumas características que podem afetar a política monetária de Vanuatu: a) a pressão fiscal do governo tem contribuído para o excesso de liquidez no sistema financeiro, o que ajuda a reduzir a eficácia da política monetária; b) o RBV não é, legalmente, uma instituição autônoma, mas, segundo o FMI, tem na prática alto grau de autonomia, "em particular com respeito à formulação e implementação da política monetária". 3) também se nota que não há mercado secundário para os títulos do governo em Vanuatu. Lá, o banco central tem poder de emissão de papéis, à semelhança do que aconteceu no Brasil até 2000, quando a prática foi proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 1998, o RBV tomou uma série de decisões no sentido de reforçar os arranjos monetários. Abandonou, por exemplo, a prática que obrigava os bancos a recolherem o compulsório na forma de títulos públicos. Além de funcionar como reserva de mercado para os papéis do governo, isso dificulta a administração da política monetária em ambiente de rarefeito mercado secundário para títulos públicos.

O Brasil da meta inflacionária e do câmbio flutuante não consegue avançar na forma como opera os instrumentos da política monetária

As reservas compulsórias dos bancos passaram a ser preenchidas com recolhimento do vatu (a moeda local). Também se admite o recolhimento em moeda estrangeira, tendo em vista que depósitos em outras moedas são permitidos no sistema bancário de Vanuatu. A atuação do RBV no mercado aberto foi reforçada e dois instrumentos básicos para a regulagem da liquidez no médio prazo introduzidos: a linha de desconto, através da qual os bancos podem vender ao banco central títulos do governo com até 90 dias para maturação, e a linha de recompra, através da qual os bancos vendem títulos ao RBV com o compromisso de comprar de volta aqueles papéis em determinada data e a determinado preço. Aquelas operações de venda e recompra (não automática) dos títulos por parte dos bancos que buscam liquidez são feitas por uma taxa de juros de redesconto, que funciona como a taxa básica de referência do RBV para o sistema financeiro. Portanto, sobre o preço primário do título, o RBV impõe um custo (desconto) para os bancos que demandam liquidez. Essa taxa varia em função do prazo pelo qual a liquidez é demandada e, sendo básica, ajuda na formação de uma curva de juros de médio e de longo prazos. No mercado aberto, são oferecidas notas de emissão do RBV (também poderiam ser títulos do Tesouro, desde que claramente identificado com função de política monetária e não de política fiscal) em leilões que ocorrem em prazos irregulares, anunciados previamente através de anúncios em jornais. Essas notas têm prazos variáveis e suas taxas de juros dependem dos lances dos compradores interessados. Nada disso, sabe-se, é novidade. O que chama atenção é o fato do banco central de Vanuatu, com tão pouco tempo de vida, praticar política monetária com instrumentos mais apropriados para isso do que os utilizados pelo Banco Central do Brasil. Por aqui, as linhas de redesconto, que deveriam ser usadas para financiar a necessidade de liquidez do sistema bancário, ficam praticamente ociosas. São acionadas apenas em situações dramáticas que beiram a insolvência, um estágio que vai muito além da função do redesconto. O financiamento à liquidez é provido através do mercado aberto, onde se faz a troca diária de títulos do governo por reais a uma taxa de juros praticamente tabelada pelo BC, nas reuniões do Copom. A Selic é também o mesmo juro que remunera mais da metade da dívida pública interna federal, representada pelas LFT, o que torna a política fiscal e a política monetária no Brasil estreitamente vinculadas. Além disso, há no país a figura da recompra automática por parte do BC dos papéis carregados pelos caixas dos bancos e isso a taxas que não embutem custos e nem riscos. O Brasil da meta inflacionária e do câmbio flutuante não consegue avançar na forma como opera os instrumentos da política monetária. Por tudo isso não se entende por que restringir ao tema do mandato fixo dos dirigentes o debate sobre a formalização da autonomia do BC quando há questões mais importantes a serem resolvidas. Envolveriam mudanças que, essas sim, garantiriam a verdadeira e total autonomia operacional ao BC.