Título: Para Berzoini, desoneração da folha é improvável
Autor: Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Especial, p. A10

O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, está esperançoso em aprovar este ano a reforma sindical, que será enviada ao Congresso no dia 2 de março. Ele acredita que conseguirá isso, mesmo com a crítica do empresariado, que pretendia aprovar junto a reforma trabalhista. Ele dá dicas do que deverá ser a nova CLT no projeto de lei que só será concluído após as eleições de 2006: não deverá contemplar a redução dos encargos sobre a folha de pagamento - reivindicação do patronato - e dificultará a redução da jornada de trabalho - luta dos trabalhadores. Ele lembrou que, enquanto o Brasil já tem jornada de 44 horas, os argentinos trabalham 48 horas por semana. "A redução pode ser um tiro no pé", disse. Berzoini, mineiro de Juiz de Fora, fez toda sua vida política em São Paulo. Dirigente do Sindicato dos Bancários, foi eleito duas vezes deputado federal, cargo do qual se licenciou em 2003 para ser ministro da Previdência e tocar a indigesta reforma promovida do setor no primeiro ano do governo Lula. Atualmente, luta para criar uma sistemática perene de correção do salário mínimo - que blindaria o governo dos desgastes políticos anuais - e uma forma de aumentar a renda do trabalhador. Segundo ele, em dez anos a renda laboral caiu nove pontos percentuais do PIB, ou R$ 135 bilhões, que foram desviados a outros setores, sobretudo o financeiro. Completando hoje 45 anos, cotado para migrar mais uma vez de pasta durante a reforma ministerial que se avizinha - podendo até assumir a presidência do Banco do Brasil -, Berzoini critica a política econômica do governo. Para ele, há como revisar o índice que corrige os preços administrados sem quebra dos contratos. Acredita que a meta de inflação está muito baixa. Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Valor. (HGB) Valor: A reforma sindical será aprovada no Congresso em 2005? Ricardo Berzoini: Acredito que é possível. O governo quer uma tramitação rápida. Protocolando a reforma em março há tempo suficiente para passar pelas comissões e votá-la nos plenários da Câmara e do Senado. Valor: Os empresários alegam que as reformas sindical e trabalhista deveriam andar de forma paralela. Isso pode prejudicar a sindical? Berzoini: Não acredito. Tive uma reunião muito boa com as lideranças empresariais. Eles manifestaram essa posição, mas compreenderam o ritmo possível. As centrais sindicais têm receio de debater a reforma trabalhista sem ter alguns instrumentos da reforma sindical. Valor: A reforma trabalhista é considerada prioritária pelos empresários, mas não vai andar neste mandato. Dá para avançar em alguns pontos, como a desoneração da folha de pagamento, uma promessa do governo Lula? Berzoini: A folha de pagamento tem o impacto de vários encargos que oneram o custo do trabalho, como o financiamento da Previdência Social, do sistema de seguro de acidente do trabalho, do sistema "S", entre outros. Isso faz com que você tenha um conjunto de taxações que muitas vezes 'desincentiva' a formalização dos empregos. O que temos debatido dentro do governo é como fazer com que, principalmente para as micro e pequenas empresas, esse ônus seja relativizado. Há a possibilidade - ainda mais remota, embora ainda não descartada -, de termos uma mudança radical no sistema de financiamento da Previdência, repassando para outras bases tributárias parte daquilo que é arrecadado sobre a folha. É evidente que isso é muito difícil de ser construído, pois alguns setores ganham e outros perdem. Valor: Mas isso pode ocorrer ainda neste mandato? Berzoini: Poder pode, mas não é fácil pois temos várias agendas tributárias simultâneas. Mas é importante que avance o debate, pois o próximo governo poderá ter um trabalho técnico aprofundado. Valor: Isso não está sendo discutido sequer na reforma trabalhista? Berzoini: Na verdade, a reforma trabalhista tem como principal foco modernizar a aplicação dos direitos conquistados pelos trabalhadores. A questão dos encargos pode ser discutida dentro da reforma se as partes assim desejarem. Como também é uma questão tributária, não vejo motivo pra atrelar essa discussão na reforma trabalhista. Valor: No governo FHC, o debate da reforma trabalhista era pela flexibilização dos direitos. Agora será na flexibilização da aplicação dos direitos? Berzoini: Não uso flexibilização, uso modernização, entendimento entre as partes. Acredito que há espaço hoje na sociedade para que haja mais negociação e é por isso que a reforma sindical deve preceder a trabalhista. Valor: Isso contraria a redução da jornada de trabalho, defendida pelos trabalhadores? Berzoini: Tenho defendido uma tese - que tem a resistência de alguns sindicatos - de que a jornada de trabalho não pode ser discutida apenas no plano nacional. Não podemos mudar a jornada sem levar em consideração o que ocorre nos países vizinhos, na Coréia, na China, até em países europeus que têm jornadas diferentes entre si. Podemos dar um tiro no pé, enfraquecendo a competitividade. Já estamos fazendo um debate no ministério, de como a jornada nacional se relaciona com outras jornadas do mundo. Valor: Ou seja, a redução não é tão simples como argumentam as centrais sindicais? Berzoini: É preciso reconhecer que as centrais têm um argumento forte: a produtividade, desde que a jornada de 44 horas foi criada na Constituição de 1988, cresceu muito em todos os setores. De maneira absoluta podemos dizer que é justa a redução da jornada. No entanto a produtividade não aumentou só no Brasil. Como se deslocou neste período a jornada nestes países? Países vizinhos possuem jornada de 48 horas, como a Argentina. Até que ponto reduzir de 44 para 40 no Brasil pode impactar de forma negativa o mercado de trabalho? Valor: A questão da geração de empregos pode ficar comprometida com a atual política econômica, em especial com o aumento dos juros? Berzoini: 2004 é um ano a ser comemorado, recorde de geração de vagas formais e com redução significativa de desemprego. O viés agora é o combate à inflação. A alta da taxa de juros preocupa, é um sinal pessimista. Ninguém gosta disso. O importante é que no futuro - ao obter mais confiança dos agentes econômicos - o Brasil não precise ter oscilações fortes da taxa de juros. Valor: Mas isso não passa pela revisão da meta de inflação? Berzoini: É obvio que podemos ter um debate sobre qual meta de inflação permitiria uma gestão mais amena para a política monetária. É um debate econômico em aberto. Eu pessoalmente acho que a meta não levou em consideração alguns choques como o preço do petróleo. Outra questão, herdada do governo passado, é o indexador usado para os contratos de concessão de energia e telecomunicação. O IGP está há muitos anos descolado da inflação sentida pelos brasileiros. Ele alimenta a inflação. Mas não podemos focar o debate econômico apenas nisso. Tem muita coisa acontecendo que não depende da Selic, como o uso dos recursos do FAT e do FGTS, que foram destinados para habitação, saneamento e infra-estrutura, o que dá condição de crescimento à despeito da Selic elevada. Valor: Como está a discussão sobre a mudança do indexador dos preços administrados? Berzoini: Essa é uma discussão que está na sociedade. Qual é o motivo para indexar tarifas com um índice que absorve preços de formação que sequer são aplicados no atacado? Há uma disparidade: o INPC, que corrige salários e aposentadorias, fechou o ano passado em 6% e o IGP fechou a 12%, o dobro da inflação. Isso provoca perda de renda e realimenta a inflação. O ideal é, na renovação dos contratos, sem quebra, termos índices mais próximos da realidade do país. Valor: Entre alterar os índices e manter os contratos o governo deve respeitar os contratos? Berzoini: O importante é ter ambiente de segurança jurídica para os investimentos. Obviamente que há um princípio jurídico muito usado nos julgamentos de contratos que é a questão do equilíbrio contratual. Se há uma disparidade em relação ao que foi contratado pode ter revisão. Mas essa revisão tem sempre que ser discutida pela área que tem competência para isso. Acredito que os ministérios competentes estão agindo com responsabilidade e compromisso. Valor: Como está o uso de recursos do FAT e do FGTS? Berzoini: Nos dois casos aumentou a eficácia no atual governo. O FGTS passou de um orçamento de investimento de R$ 4 bilhões em 2002 para R$ 11,2 bilhões em 2005. No caso do FAT, nós estamos ampliando o orçamento e a alocação de recursos para os programas de geração de emprego e renda, como Proger e Pronaf, e municiando o BNDES de recursos para os investimentos em infra-estrutura. Acredito que esses dois fundos têm um papel determinante no ritmo de crescimento. Valor: A renda não cresceu tanto quanto o emprego. Como equacionar isso? Berzoini: No comparativo de 12 meses há recuperação de renda em vários segmentos e no geral também há, embora pequeno. Esse é um grande desafio: viabilizar, com a geração de emprego, que os sindicatos consigam negociações coletivas mais produtivas. Em 2004, a maioria dos sindicatos já obteve aumento real para os seus segmentos. Em 2005 temos projetado o aumento real de 9,3% do salário mínimo. Um fato é que entre 1993 e 2002 a renda do trabalho perdeu nove pontos percentuais do PIB. Dá pra dizer que os trabalhadores perderam R$ 135 bilhões que foram absorvidos por outros setores, pelo setor empresarial de forma geral e pelo financeiro em particular. Reverter isso é uma das principais tarefas agora. Valor: Quais medidas serão tomadas para isso? Berzoini: Principalmente melhorar o ambiente econômico. Eu não acredito em medidas burocráticas para recuperar a renda. O trabalho se comporta dentro das leis de oferta e demanda. Além do aumento do salário mínimo e do crescimento da economia, o que podemos fazer é agregar a economia para se agregar mais valor à renda. É o caso da mudança no perfil da balança comercial brasileira, que hoje tem um crescimento mais vigoroso nos produtos manufaturados, onde há mais emprego qualificado e renda agregada. Valor: Com está o projeto para criar um mecanismo de correção do salário mínimo por vários anos? Berzoini: Nós redigimos o projeto de lei que eleva o salário mínimo para R$ 300 e cria a comissão quadripartite - com empresários, trabalhadores, aposentados e governo - para debater a recuperação do salário mínimo. O ideal é que até a formatação do Orçamento de 2006 já tenhamos desenhadas as bases dessa política.