Título: Projeto libera quebra de direitos trabalhistas
Autor: Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2005, Especial, p. A10

O texto definitivo da reforma sindical, após passar pela revisão da Casa Civil, abre espaço para flexibilizar os direitos dos trabalhadores. Na última versão, obtida pelo Valor, foi excluído o "princípio do uso da norma mais benéfica ao trabalhador", o que pode, na prática, ressuscitar a reforma trabalhista pretendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso - ela estabelecia que o que é negociado entre patrões e empregados prevalece sobre a legislação. Nas versões anteriores da reforma sindical elaborada pelo governo Lula, constava o princípio agora excluído. Por esse princípio, sempre que houver choque entre duas leis, normas ou acordos trabalhistas, prevalece o que traz mais benefícios aos trabalhadores. Como esse princípio foi retirado da versão definitiva da reforma, especialistas acreditam que o governo abriu uma brecha para alterar a legislação trabalhista. A reforma, que será enviada ao Congresso no dia 2 de março, compreende uma proposta de emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei. A PEC altera quatro artigos da Constituição. Já o projeto de lei tem 238 artigos. O projeto tem quatro pontos principais: a nova estrutura sindical - inclusive com a representação trabalhista dentro das empresas -, as negociações coletivas, o direito de greve e mudanças na legitimidade das ações trabalhistas (ver quadro acima). De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, a reforma sindical dá um indicativo da pauta da reforma trabalhista, que só deverá ser enviada ao Congresso depois das eleições de 2006. "A reforma sindical sinaliza um modelo de reforma trabalhista que tende a flexibilizar os direitos dos trabalhadores", diz Coutinho. O jurista sustenta que, na última revisão da reforma sindical, feita pela Casa Civil, o governo excluiu o "princípio da norma mais benéfica". "Esse princípio estava em versões anteriores e foi excluído agora, o que permite concluir que há espaço, no futuro, para uma reforma trabalhista que permita que o negociado prevaleça sobre o legislado, ou seja, que acordos entre patrões e empregados flexibilizem direitos garantidos em lei", diz. Coutinho garante que o secretário Nacional das Relações do Trabalho e coordenador do Fórum Nacional do Trabalho, Osvaldo Bargas, havia se comprometido a manter o princípio na reforma. Ele também critica o fim do "princípio da ultra-atividade das normas coletivas". Por esse princípio, todos os direitos e condições firmados num acordo coletivo continuam a valer durante o impasse para a formulação de um novo acordo entre trabalhadores e empregados. Além dessas alterações, Coutinho critica o excesso de regras para as greves. "Pelo projeto, mesmo em setores não-essenciais, os trabalhadores deverão manter o mínimo da atividade, sob o risco de serem substituídos por trabalhadores temporários", diz. Este ponto, que segundo o projeto foi criado para evitar "perdas irreparáveis para as empresas", fere o direito de greve, na opinião de Coutinho. O jurista também critica o elevado poder dado às cúpulas sindicais e a solução adotada para o fim da unicidade sindical. Na prática, o monopólio da representação poderá ser mantido para os atuais sindicatos, desde que eles tenham o mínimo de 20% dos trabalhadores de sua base territorial e que toda a categoria decida pelo monopólio em assembléia. O jurista avalia que, em geral, a reforma traz avanços. Ele cita a nova forma de sustentação financeira dos sindicatos. "É uma reforma, não uma revolução sindical. Há pontos positivos e outros negativos que tentaremos mudar no Congresso", diz. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Felsberg & Associados, Nelson Mannrich, a reforma poderá trazer insegurança jurídica às empresas. "O projeto permite que o sindicato entre na Justiça em nome do trabalhador nos casos de direitos individuais homogêneos, mas não estabelece claramente em que condições", diz. Ele diz que, nesses casos, além da ação já movida pelo sindicato, o trabalhador poderá entrar na Justiça para discutir o mesmo assunto por dois anos. "Outra dificuldade é que o projeto libera o juiz para determinar valores de multas trabalhistas, o que pode gerar distorções." Mannrich também acredita que a reforma, a despeito de ter como objetivo a liberdade sindical, cria uma forte influência do Estado nas organizações dos trabalhadores, que serão obrigadas a prestar contas ao governo, a ter um modelo de estatuto "democrático" e a auferir representatividade. "Há mecanismos contraditórios e uma intervenção do Estado digna do período getulista", sustenta. O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, acredita que a preocupação de Grijalbo Coutinho - sobre a retirada do princípio da norma mais benéfica - é infundada. "Não há por que criar uma garantia de algo que já está garantido. Esse princípio existe há anos na jurisprudência", diz ele. Berzoini acredita que, além da norma mais benéfica, a reforma respeita as leis atuais. "Há uma estrutura entre Constituição, leis e acordos no artigo nº 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e não há nenhum interesse do governo em alterar essa hierarquia, como pretendia o governo anterior", afirma.