Título: A resolução de conflitos da internet
Autor: Villela, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 29/02/2008, Legislação & Tributos, p. E2

A ânsia da sociedade em criar uma "aldeia global", visando a troca de informações com rapidez e em plataforma mundial, vem incutindo nos indivíduos uma avidez pela busca de informações, serviços e produtos em velocidade cibernética.

Essa convergência gera uma democracia no acesso à informação, contudo, tal expansão desenfreada faz com que as normas jurídicas não se moldem em tempo real às novas situações impostas pela sociedade digital, gerando um abismo entre aqueles que desejam se beneficiar desse sistema e a proteção legal que lhes deveria ser conferida.

Na era digital, em que o instrumento de poder é a informação, a dicotomia acima vem se desdobrando em uma série de abismos jurídicos, dentre eles, o conflito entre marcas e nomes de domínio, do qual trataremos brevemente.

O registro de nomes de domínio pode ser encarado como uma das maiores problemáticas jurídico-econômicas da rede mundial de computadores, isto porque o endereço eletrônico é muito mais do que o representante virtual de uma empresa, traduzindo-se na visibilidade desta perante o público consumidor que acessa a internet.

Uma empresa será mais facilmente localizada na internet, quanto mais próximo seu nome de domínio for de sua marca ou nome empresarial.

Ser titular de um nome de domínio composto por uma marca ou nome empresarial, é ter ponto de referência naquela expressão no meio virtual. Em razão disso, o espaço virtual atrai também usurpadores, que cientes da notoriedade de uma marca ou nome empresarial, as registram como nomes de domínio, impedindo que os verdadeiros titulares dessas expressões estendam seus direitos sobre as mesmas na Internet. Além disso, os nomes de domínio formados por uma marca ou nome empresarial, aliados a expressões depreciativas (por exemplo, "ABCporcaria.com.br"), são tão prejudiciais à marca ABC quanto o registro do domínio "ABC.com.br" por um terceiro estranho ao titular da marca ABC.

Essas práticas, denominadas "cybersquatting", caracterizam-se pela intenção daquele que registrou o nome de domínio em obter vantagem indevida em face do prestígio alcançado pelo titular da marca ou nome empresarial. Tais práticas ainda encontram campo em nosso país, uma vez que os órgãos nacionais de regulação à expansão da internet, adotam o princípio do "first come, first served" na concessão de nomes de domínio.

-------------------------------------------------------------------------------- O registro de nomes de domínio é uma das maiores problemáticas jurídico-econômicas da rede mundial --------------------------------------------------------------------------------

Prevê o princípio do "first come, first served" que o registro de nomes de domínio no Brasil deve ser conferido a quem primeiro o requereu, sem que haja uma análise acerca da existência de direito prévio que lhe confira legitimidade no registro daquela expressão como nome de domínio, levando ao Poder Judiciário disputas históricas acerca da legal titularidade desses endereços eletrônicos.

O procedimento de registro e manutenção de nomes de domínio em nosso país é regulado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão criado conjuntamente pelos Ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia, entretanto esse organismo tem se mostrado ausente, na medida em que pouco avança na criação de um sistema de análise prévia da legitimidade do candidato a requerer o registro de uma expressão como nome de domínio, imperando o obsoleto princípio do "first come, first served".

Muito se discute e pouco se investe na criação de uma rígida legislação nacional para regular os conflitos entre marcas, nomes empresariais e nomes de domínio na internet, ou até mesmo na criação de um "tribunal" administrativo especializado na solução desses conflitos, a exemplo do que ocorre no Instituto Nacional da Propriedade Industrial no tocante à regulação de conflito de marcas.

Ainda em caráter embrionário, o Comitê Gestor criou há aproximadamente um ano, um procedimento que sinaliza a necessidade em se editar regras claras para a solução desses conflitos. Esse procedimento tem sido adotado especificamente na resolução de disputas entre empresas que se candidatam a registrar nomes de domínio expropriados de seus antigos proprietários e mantidos em quarentena pelo Comitê Gestor (nomes de domínio "congelados").

Atualmente, ao disponibilizar esses domínios "congelados" para registro, o Comitê Gestor indaga o candidato acerca da existência de marca registrada ou nome empresarial correspondente ao nome de domínio, que garantiriam uma prioridade no registro desse domínio, caso mais de uma empresa se candidate ao registro.

Esse procedimento tem se mostrado útil ao inibir a conduta de usurpadores que monitoram e registram nomes de domínio em quarentena, por simples especulação. Embora inteligente, essa medida ainda é insuficiente.

Nosso conhecimento acerca dos conflitos de "cybersquatting" nos leva a concluir que essa matéria ainda é um desafio, na medida em que faz-se necessário interpretar essa nova realidade, encontrando uma solução adequada para os titulares de marcas e nomes de empresa que buscam os correspondentes registros como nome de domínio, bem como aos consumidores dos meios digitais, fazendo com que o direito siga sua vocação histórica em se atualizar para regular os conflitos virtuais dessa recém-formada sociedade digital, respaldando-a no que for necessário.

Fernando Villela é advogado do escritório Daniel Advogados.

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