Título: Anac quer tratado de céus abertos na América do Sul
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2008, Brasil, p. A4

A nova diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), com viés mais liberal do que a gestão anterior, pretende iniciar negociações para um tratado de "céus abertos" com os vizinhos da América do Sul. À semelhança do que ocorreu recentemente nas rotas entre Estados Unidos e União Européia - e provocou controvérsias dos dois lados do Atlântico -, o objetivo é acabar com o limite de vôos estabelecido nos acordos bilaterais de serviços aéreos entre os países da região. Por esses acordos, fica definido um número máximo de vôos para serem distribuídos às companhias aéreas de cada país nas ligações entre as duas partes.

Para vizinhos como Venezuela e Colômbia, esse limite foi atingido e as empresas brasileiras não podem implantar mais vôos. Para o vice-presidente de planejamento da TAM, Paulo Castello Branco, isso tende a restringir os efeitos positivos da liberdade tarifária nas rotas sul-americanas partindo do Brasil - os descontos nos preços das passagens poderão chegar a 100% a partir do dia 1º de setembro, conforme resolução anunciada pela agência na semana passada. Se aumentar a demanda, não é possível ampliar a oferta, o que pode tornar a medida inócua no médio prazo.

A situação mais grave é nas rotas com a Argentina, em que as empresas brasileiras dominam o mercado e já chegaram ao limite dos 133 vôos permitidos por semana - são 56 da TAM, 49 da Varig e 28 da Gol. Para atender a demanda e implantar mais vôos, a Gol foi obrigada a acrescentar 14 vôos no âmbito do Acordo de Fortaleza, assinado em 1996, pelos governos sul-americanos, para incentivar a criação de rotas "sub-regionais", entre cidades fronteiriças, como entre Porto Alegre e Córdoba.

Para superar esses problemas, a nova diretoria da Anac vai buscar um acordo "multilateral" na América do Sul, informou ao Valor o engenheiro e doutor em economia Ronaldo Serôa da Motta, diretor da agência. A proposta deverá ser discutida na Comissão Latino-Americana de Aviação Civil (Clac), órgão máximo do setor na região.

"Vamos tentar levantar essa idéia, que já existe lá dentro e que tem o Chile como um dos principais defensores", disse Serôa. Em um acordo de céus abertos, caem as restrições fixadas nos tratados bilaterais. Entre Brasil e Argentina, por exemplo, companhias como TAM e Varig poderiam sair de qualquer origem brasileira e voar quantas vezes quiserem para destinos argentinos - basta haver infra-estrutura aeroportuária e espaço no tráfego aéreo para comportar a demanda. "As dificuldades não serão pequenas, mas há outros países que demonstram simpatia por isso, como o Peru", disse Serôa.

Ele não tem receios em chamar a proposta de um acordo de céus abertos, mas frisa que o termo não pode ser confundido com a liberação do transporte doméstico de passageiros (cabotagem) para empresas estrangeiras, o que está descartado por enquanto. Mas ele defende inequivocamente um processo de maior abertura. "Toda a regulação que nós (Anac) herdamos é protecionista. A proteção excessiva no setor aéreo acaba sendo nociva à economia dos próprios países, pois limita o tráfego, a circulação de pessoas e atividades produtivas direta ou indiretamente afins, como o turismo."

Para evitar resistências de países com empresas aéreas menos eficientes, acredita que seria possível criar restrições, como um teto de 30% para os vôos de companhias de um determinado país, no conjunto de freqüências entre destinos sul-americanos. "Seria 'open' até certo limite", ironizou.

No ano passado, Estados Unidos e União Européia firmaram um tratado de "open skies" nos vôos transatlânticos. O acordo liberalizou totalmente as rotas entre os dois principais mercados de aviação do mundo, permitindo às companhias fazer quantos vôos quiser entre qualquer cidade americana e européia, mas enfrentou forte resistência das inglesas British Airways e Virgin Atlantic. O Reino Unido - especialmente o aeroporto de Heathrow, em Londres - recebe cerca de 40% do tráfego de passageiros entre EUA e UE. Em troca da permissão também da cabotagem na Europa às empresas americanas, as européias - mais bem ajustadas financeiramente - queriam obter da Casa Branca o direito de comprar maior participação nas suas concorrentes. Hoje, estrangeiros só podem ter um teto de 25% do capital acionário das americanas.