Título: Prefeitos contrários são minoria, diz governo
Autor: Felício, César ; Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2008, Política, p. A8

Negociador da reforma dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Rigotto diz que insatisfação dos prefeitos pode ser corrigida com nova redação de artigo. Para enfrentar a resistência dos prefeitos à proposta de reforma tributária, os governistas já unificaram o discurso: foi a maioria dos prefeitos, insatisfeita com uma redistribuição do ICMS que enriquecia prefeituras já ricas, como as que sediam exploração de gás e petróleo, ou grandes empreendimentos como refinarias, que pressionou o governo a elaborar a proposta de reforma tributária que, na semana passada, chegou ao Congresso.

Foi este o tom do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, na sexta-feira, em São Paulo. E este é também o argumento do negociador da reforma tributária dentro do PMDB e no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ex-governador gaúcho Germano Rigotto. Segundo o ex-governador, a mudança da regra de distribuição do ICMS, diminuindo os ganhos dos municípios pequenos que recebem altos valores em função de sediarem refinarias ou montadoras de automóveis, como Paulínia (SP) e Camaçari (BA), foi um pedido dos próprios prefeitos. "Esta foi uma demanda dos próprios municípios. Se levantar muita polêmica, não pode prejudicar a reforma. Caso esta questão seja tirada, não mudará nada na estrutura partidária", afirmou.

Segundo a proposta, será possível alterar o valor adicionado, base para o cálculo do repasse do ICMS para as prefeituras, por meio de lei complementar, e não de mudança constitucional, como é hoje. "Isto é uma questão de redação do texto, que pode ser resolvida rapidamente no Congresso. Dar garantia constitucional a isto não vai mudar nada na reforma", afirmou.

Newton Lima (PT), prefeito de São Carlos, cidade do interior paulista, é um dos governantes municipais que defende a alteração dos critérios de repasse do ICMS para diminuir as distorções entre os municípios. Secretário geral da Frente Nacional dos Prefeitos, Lima reclama que "alguns municípios recebem cem vezes mais que outros. Com a reforma tributária, isso vai acabar", afirmou.

O otimismo demonstrado por Lima, entretanto, não é compartilhado por prefeitos e secretários de cidades que estão entre as que mais recebem repasses de ICMS, como São Paulo, Guarulhos (SP) e Manaus. Com receio de perder receita, os governantes municipais não concordam com a possibilidade de as mudanças virem por lei complementar e pedem a continuidade das regras baseadas na Constituição. Segundo a reforma tributária, somente a União e os Estados poderão propor lei complementar.

A cidade de Guarulhos tem como principal fonte de renda o repasse do ICMS feito pelo Estado. Do orçamento de R$ 1,9 bilhão do município, cerca de R$ 600 milhões correspondem a essa tributação. O IPTU é o segundo tributo mais importante aos cofres municipais e chega a arrecadar R$ 180 milhões, menos de um terço do que é recebido com o ICMS. "O que preocupa é a descontitucionalização da partilha, remetendo à lei complementar. Os novos critérios não estão claros", afirmou o secretário de Finanças do município, Nestor Carlos Seabra Moura. Guarulhos é o segundo município do Estado no índice de participação da partilha do ICMS.

Moura também critica o caso de cidades com grande valor adicionado, por conta de refinarias de petróleo. "Recebemos menos que Paulínia, que só tem 60 mil habitantes enquanto Guarulhos tem 1,2 milhão. Esperamos que haja uma partilha mais equânime", disse. De todo ICMS recolhido pelo governo estadual, 25% é distribuído às cidades. Desse total, três quartos são transferidos com base no valor adicionado em cada município.

O secretário de Finanças de Manaus, Onildo Elias de Castro Lima, não vê a possibilidade de os Estados se disporem a construir as novas regras com os municípios, como acredita o prefeito de São Carlos, e receia que o caixa municipal diminua. "A arrecadação pode ser reduzida em função do poder político dos Estados. Eles podem usar critérios - políticos - que nos prejudiquem", comentou. Com a possibilidade de os Estados alterarem as regras, ele teme que os municípios fiquem "com o pires na mão".

A proposta de reforma tributária tende a beneficiar os pequenos e médios municípios, comentou Castro Lima, e os municípios com maior valor agregado, com grande produção industrial, poderão ser os mais prejudicados. "Espero que não haja um retrocesso para nós", afirmou. Manaus tem o quarto maior repasse de ICMS do país. "Vamos ficar atentos às propostas do Congresso."

O governo municipal de São Paulo, líder no recebimento de recursos do ICMS, demonstrou preocupação semelhante. Em nota, a secretaria de Finanças do município disse que a alteração no critério de repasse de ICMS aos municípios vai contra a idéia de dar maior estabilidade ao sistema de repartição de receitas. A prefeitura aceita novos critérios (sugerem que haja critérios diferentes como população), mas disse que eles não devem ser alterados por lei complementar. "Não há qualquer argumento técnico factível que dê respaldo à proposta" de tirar o critério da Constituição.

A possibilidade explícita de cobrar o IVA-F sobre as operações que já pagam ISS é considerada preocupante pelo governo paulistano. A prefeitura disse que, em uma análise preliminar, "há sérios riscos de inconstitucionalidade na proposta em função da bitributação. Eles dizem que em reunião com o Ministério da Fazenda foi entendido que o governo federal não incluiria o ISS na reforma, mas deixaria o texto propício para essa inclusão no Congresso.

Segundo a Prefeitura de São Paulo, a PEC precisa de mudanças mínimas para extinguir também o ISS. A reposição das perdas do ICMS pela União a Estados e municípios cria também uma dependência maior dos Estados e municípios em relação à União. O município teme que os critérios de distribuição dos recursos prejudiquem os estados e municípios de maior porte e diz que "historicamente é isso que sempre acontece."

Para o secretário-geral da Associação Brasileira dos Municípios, o ex-prefeito José Carlos Rassier, é preciso assegurar aos municípios critérios claros na transferência do ICMS. "Não somos favoráveis a que grandes cidades percam muita receita, mas também criticamos que haja um repasse tão desigual entre os municípios", comentou.

Os prefeitos municipais planejam para abril uma marcha até Brasília e um dos pontos de reivindicação será a garantia de que não sofrerão perdas com as mudanças no ICMS. Apesar das críticas à emenda enviada pelo governo federal ao Congresso, os governantes municipais elogiaram itens que não se refletem diretamente nas cidades. A unificação de tributos no IVA-federal foi um deles. "Os objetivos principais que pautam a reforma, que é racionalizar a cobrança dos tributos e desburocratizar o sistema, são bons. A intenção do governo federal é muito válida porque deve reduzir a informalidade e a sonegação.Vai aumentar a base de arrecadação, com o IVA-federal e o novo ICMS, sem aumentar a alíquota", apontou Seabra, secretário de Guarulhos. A iniciativa de acabar com a guerra fiscal também foi bem recebida. "Para nós, prefeitos paulistas, vai ajudar muito. Não foram poucas as vezes que eu tentei trazer uma empresa à cidade e elas não aceitaram porque receberam incentivos fiscais melhores", comentou Lima, prefeito de São Carlos.