Título: Resistência dos Estados é histórica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2008, Política, p. A8

Esta é a quarta vez, desde 1995, que o governo federal tenta empreender a reforma do sistema tributário . Para convencer a opinião pública que, desta vez, a reforma sairá, os governistas argumentam que é a primeira vez em que a proposta é feita num ambiente de sustentado crescimento econômico. A apresentação da proposta, a despeito da derrota da CPMF, seria a demonstração de que haveria disposição política distinta para promover esta reforma.

"Agora estamos em um período de grande crescimento econômico, o presidente Lula está mais livre para agir porque não é candidato à reeleição e os governadores amadureceram a reflexão sobre temas como a mudança do ICMS e a guerra fiscal", disse o ex-governador Germano Rigotto, negociador da reforma tributária dentro do PMDB e no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Especialistas e políticos que acompanharam as últimas tentativas de reforma concordam que o cenário é mais favorável, mas nem por isso fazem coro ao otimismo de Rigotto. O ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, Amir Khair, por exemplo, ressalva a resistência dos governadores.

"As propostas nunca passam por conta dos governadores, que bombardeiam, que não querem mexer na tributação", diz o especialista. Mesmo com a melhoria na arrecadação própria dos Estados, com medidas como a nota fiscal eletrônica, os governadores deverão resistir às mudanças e o especialista teme que o projeto tenha o mesmo fim que as outras propostas . "O ICMS representa, na média dos Estados, 87% da receita e os governadores ficam temerosos quando vão mexer nos incentivos fiscais que eles dão", afirma

Essa resistência veio à tona em 1995, quando o governo Fernando Henrique apresentou a PEC 175, que previa a substituição do IPI federal e do ICMS estadual por um ICMS nacional, para desonerar a produção e as exportações. Foram debatidas propostas, todas para retirar a competência estadual exclusiva sobre o ICMS. "Nenhuma foi adiante", lembra o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), ex-relator da Comissão de Reforma Tributária na Câmara, no governo Lula. O processo ficou emperrado entre 1995 e 1999 porque a União não queria abrir mão de receitas cumulativas e a maioria dos Estados queria usar o ICMS como instrumento guerra fiscal. Os municípios também resistiam, porque não queriam perder a competência sobre o ISS , que seria incorporado ao novo IVA.

No seu segundo mandato, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso retomou o tema. O ex-governador Germano Rigotto, à época, era o presidente da Comissão Especial que aprovou entre 1999 e 2000 uma proposta semelhante à atual. Tinha como vices os deputados Antonio Palocci (PT-SP) e Antonio Kandir (PSDB-SP). O texto estabelecia legislação única para o ICMS, migração da cobrança da origem para o destino e unificação das contribuições . Segundo Rigotto, o governo alegou que o ICMS unificado era inexequível nos moldes propostos, mas o real objetivo era impedir que houvesse a unificação das contribuições. O texto saiu da Comissão Especial aprovado por unanimidade e foi para o plenário da Câmara, onde nunca foi votado. "O governo de então nunca quis a reforma. Aceitou a Comissão por pressão parlamentar", relembra Rigotto.

Em 2003, com o início do governo Lula, Palocci foi nomeado ministro da Fazenda e Rigotto assumiu o governo gaúcho. A proposta foi relançada, em bases semelhantes ao texto esquecido no plenário . A nova safra de governadores, contudo, divergiu sobre a migração da incidência da origem para o destino. No governo Fernando Henrique, o então governador paulista Mário Covas (PSDB) bancou a mudança, consciente de que São Paulo seria prejudicado pela alteração. Seu sucessor, Geraldo Alckmin (PSDB), apresentava resistência a aceitar o acordo , segundo Rigotto."O processo se prolongou e o governo federal fatiou a reforma e aprovou os pontos que implicavam em aumento de arrecadação", afirma Rigotto.

A princípio, o governo pretendia dividir a reforma em três núcleos: no primeiro tratariam da CPMF e DRU; na segunda, de alterações no ICMS e na terceira, da modernização do sistema, com mudanças nos tributos. A divisão foi bastante criticada pela oposição , lembra Virgílio . "Diziam que era uma cortina de fumaça, que seria apenas uma manobra para aprovar a DRU e prorrogação da CPMF", comenta. O governo protelou as outras fases da reforma e não voltou às discussões depois que o Planalto foi tomado pelas denúncias do mensalão. (C.A e C.F, de São Paulo)