Título: Tendências que se uniram pelo comando do PT já se desentendem
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2008, Brasil, p. A10

Acostumado a dominar o partido, especialmente no período em que José Dirceu presidia a legenda, o antigo Campo Majoritário - atual Construindo um Novo Brasil - foi obrigado, após o último Processo de Eleição Direta (PED), a compor com as demais tendências partidárias para assegurar paz interna no PT. Optou por unir-se à Mensagem ao Partido, organizada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro e aceitou a indicação de José Eduardo Cardozo (PT-SP) para secretário-geral do partido. A harmonia entre as tendências, porém, durou menos de um mês.

Parlamentares do grupo da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy - que lançaram o deputado Jilmar Tatto para a presidência do PT - acusam Tarso de, pragmaticamente, indicar Cardozo para tentar, no partido, repetir a força que tem no governo. E mais: reclamam que, ao aliar-se ao Campo do qual Dirceu faz parte Tarso teve que engavetar o discurso da ética partidária, já que foi buscar abrigo junto àqueles que mais criticava. "O Dirceu colocou o Tarso no bolso", provocou um deputado que apoiou Tatto.

Tarso defende-se, alegando que o acordo com o atual presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), só foi possível pela aquiescência de se implantar, até julho, um código de ética no PT. O ministro diz que procurou Tatto e seu grupo para conversar, sem êxito porque " Jilmar Tatto tem interesses específicos e uma visão específica de como desenvolver o partido, além de travar duelos pontuais em São Paulo". Mas o que tira Tarso do sério é dizer que ele negociou com Dirceu. Ele assegura que a aproximação aconteceu com o grupo que mantinha a hegemonia do partido e que pode ser apontado diretamente: Patrus Ananias (Ministro do Desenvolvimento Social), Luiz Dulci (Secretário-Geral da Presidência) e Marco Aurélio Garcia (assessor especial da presidência para assuntos internacionais). "Se esses companheiros têm relações internas com dirigentes com os quais temos posturas críticas, para nós é completamente indiferente", completou.

Do lado do Campo Majoritário, as coisas não foram tão simples como parecem. No auge do domínio partidário, o grupo costumava controlar entre 60% e 70% na Executiva Nacional. No último PED, Berzoini foi eleito em segundo turno e o "Construindo um Novo Brasil" obteve aproximadamente 40% dos assentos na Executiva. Tatto e seu grupo conseguiram algo próximo a 20%, percentual semelhante de Tarso Genro (que lançara Cardozo para a presidência do PT). Os demais 20% foram divididos pelas outras tendências, incluindo a Articulação de Esquerda.

Desenhado o cenário, cabia ao grupo vencedor escolher que rumo tomar. Depararam-se com uma encruzilhada nas sinalizações para o público interno e externo. Se a aliança se desse com Tatto e o grupo da ex-prefeita de São Paulo, internamente não haveria problemas, pois Marta sempre transitou bem no Campo Majoritário. Mas, externamente, a sinalização seria de que as mudanças não seriam tão profundas.

A escolha recaindo sobre a Mensagem ao Partido, mostraria ao eleitorado brasileiro uma disposição do PT de "purgar" seu passado recente. Para a militância, contudo, havia um sinal amargo: Genro e Cardozo foram muito duros nos tempos do mensalão, defendendo a refundação do PT. Para determinadas correntes, ambos não defenderam a legenda como ela merecia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria se queixado da postura individualista de Cardozo.

Mas como a idéia do PED era deixar claro que, independente do vitorioso, o partido deveria passar por mudanças, a opção foi unir-se à Mensagem ao Partido. "Lula, por intermédio de seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, deu o aval para as conversas com Tarso e seu grupo político", confirmou um petista.

Ninguém esperava que a indicação da Mensagem fosse justamente Cardozo. "Eles tinham tantos nomes. Por que não optaram pelo Henrique Fontana, por exemplo, que é independente mas sabe defender o PT? Mas, como o acordo era para apoiar, independente do nome, não dava para voltar atrás: aceitamos", destacou um integrante do Campo Majoritário.

Mal empossado como secretário-geral, Cardozo provocou o primeiro mal-estar, dando uma entrevista para a revista "Veja" admitindo que houve mensalão - embora não tenha dito que ele servia para comprar votos, reconhecendo que houve, apenas, irregularidades em esquemas de arrecadação. Para a esquerda petista, isso reavivou o fantasma de um "independente no comando".

Para Cardozo, dizer que houve caixa dois ou pagamento de mesada é apenas "uma questão de semântica". Diz que a aliança com o Campo Majoritário não significa coincidências de posições. Ricardo Berzoini reforça o argumento. "Não se trata de uma coalizão, não fizemos um acordo político de maioria. É natural que, em alguns momentos, venhamos a tomar posições internas distintas", destacou Berzoini.

Mas a entrevista de Cardozo repercutiu mal no Campo Majoritário. "O pessoal da Marta passava pelos corredores nos olhando e rindo. Era como se dissessem: fecharam a aliança, agora agüentem", lembra um petista afastado do parlamento. Berzoini não polemiza, apenas acrescenta que "a composição da Executiva partidária, tradicionalmente, não deixa nenhuma das partes satisfeitas. Mas sempre vai refletir os embates travados no PED".

Dirceu sempre estará no centro desses embates, apesar de ter deixado, há muito, de ser eminência parda no PT. Não há um movimento político do PT que seja desvinculado - pelo menos no imaginário de seus pares - de sua presença. Na aliança entre Berzoini e Tarso Genro, esta sensação se repetiu: os petistas ligados a Marta consideram a ação de Dirceu uma tacada de mestre. "Eu gosto do Dirceu por causa disso. Ele sabe fazer política nos bastidores, é um adversário - ou aliado - de alto nível", elogiou um deputado ligado à ministra do Turismo.

Outro integrante do mesmo grupo afirma que não há comparação entre o estilo da ministra do Turismo e do ex-todo poderoso do PT. "Ficar cinco minutos ao lado do Dirceu é estressante. Ele sabe tudo do PT em todos os lugares desse país", disse o parlamentar petista, referindo-se ao fato de que o ex-chefe da Casa Civil não está distante do partido.

Genro travou, durante a crise do Mensalão, um duelo acirrado com Dirceu. Com a antiga cúpula petista afundada em escândalos de corrupção, o atual ministro da Justiça pediu a refundação partidária. Por isso, ele refuta a aproximação com o antigo adversário. "Até porque essas pessoas estão agora respondendo perante o Judiciário e não perante o partido". Um petista de peso do Diretório Nacional considera falaciosa a parceria entre Dirceu e Genro. "Dirceu é um quadro importante do PT mas, nos últimos tempos, vem se dedicando menos às disputas partidárias. Por outro lado, é quase inconcebível imaginar que Tarso Genro se prestasse a "ser colocado no bolso" em troca de um mero cargo na Executiva", acrescentou.

Um petista próximo de Lula também não aposta que Dirceu tenha tido influência nessa aliança. Em entrevista à Revista Piauí, Dirceu disse que para o filho do presidente, Fábio Luiz da Silva, o Lulinha, não importa a verdade. "Após esse episódio, o Dirceu foi enquadrado na Lei de Segurança interna do partido", ironizou um petista. (PTL)