Título: As conseqüências (positivas) da defesa comercial
Autor: Imamura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2008, Opinião, p. A12

Desde a implementação das normas internacionais relativas aos instrumentos de defesa comercial (antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas), o Brasil tem sido um dos grandes usuários destes instrumentos. Entre 1995 e o primeiro semestre de 2007, nosso país foi o oitavo no ranking dos que mais abriram processos antidumping, instrumento de defesa comercial mais utilizado pelos membros da OMC.

Mais recentemente, principalmente devido às importações da China, a utilização dos instrumentos de defesa comercial se difundiu bastante junto ao empresariado nacional, como bem demonstram as imposições, apenas nos últimos dois meses de 2007, de direitos antidumping contra as importações de alto-falantes, escovas de cabelo, resina de policarbonato, pedivelas, alhos frescos, armações de óculos, pneumáticos de borracha para bicicletas e brocas de encaixe SDS Plus.

Isto não significa, entretanto, que o Brasil se utilize da defesa comercial de maneira protecionista, como demonstra o histórico de processos no país. Segundo o relatório mais recente divulgado pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom), da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), entre 1995 e 2006 foram iniciados no Brasil 194 processos de defesa comercial, sendo que 80 (41%) foram encerrados sem a aplicação de medidas definitivas.

Ainda assim, os instrumentos de defesa comercial permanecem sendo freqüentemente vistos como protecionistas e com conseqüências negativas para o mercado. Cabe, então, esclarecer e superar alguns destes receios infundados.

Um destes receios diz respeito às conseqüências das medidas de defesa comercial para os consumidores, tanto intermediários como finais, uma vez que tais medidas se traduzem, regra geral, na cobrança de valor adicional aos impostos normalmente pagos na importação. É importante lembrar, entretanto, que as medidas de defesa comercial visam apenas eliminar a distorção causada pela prática desleal de preços (exceto no caso da salvaguarda, em que não está em questão tal prática desleal). Desta forma, a imposição destas medidas não impõe sobrecarga aos consumidores, uma vez que apenas equilibra a concorrência entre as importações "desleais", as importações de outras origens e o produto nacional.

-------------------------------------------------------------------------------- É um fato que não há integração no país entre a legislação e as estruturas de defesa comercial e de defesa da concorrência --------------------------------------------------------------------------------

No caso de medidas de defesa comercial contra importações de insumos e bens intermediários, não se pode imputar a estas uma possível perda de competitividade dos bens finais, seja nas vendas domésticas ou nas exportações. Primeiramente, pelo fato acima discutido de que estas medidas apenas eliminam distorções em importações realizadas com prática de dumping ou de subsídios. Em segundo lugar, há que se considerar a existência de uma indústria doméstica produtora de tais insumos e bens intermediários, a qual, da mesma forma que a indústria produtora do bem final, gera empregos, impostos e desenvolvimento econômico e social para o país. Desta forma, pensar apenas na competitividade do bem final poderá fazer com que nos tornemos importadores de todos os bens intermediários, às custas das indústrias produtoras nacionais destes bens, o que seria totalmente inconcebível dentro de uma política de desenvolvimento industrial séria para o país.

Outra preocupação com relação à imposição de medidas de defesa comercial se refere à possibilidade de criação ou aprofundamento de uma situação de monopólio, que implicaria na possibilidade de aumento desmedido de preços. É fato que a maior parte dos processos de defesa comercial conduzidos pelo governo brasileiro desde 1995 se referiram a produtos e setores de maior concentração, normalmente envolvendo um, dois ou três únicos produtores nacionais. Entretanto, esta situação decorre não de uma ação com intuito mono ou oligopolista, mas sim do fato de que a realização de um processo de defesa comercial demanda organização e coordenação setorial, pois envolve a análise não de empresas específicas, mas sim da indústria doméstica como um todo, entendida como a totalidade ou a maior parte da produção nacional.

Assim, quanto maior o número de empresas, maior a dificuldade de coordenação, principalmente considerando que, nestes processos, cada produtor deve fornecer grande volume de informações detalhadas relativas a vendas, capacidade instalada, estoques e custo de produção, entre outras. Como as empresas produtoras nacionais, além de concorrer com as importações, também são concorrentes entre si, a apresentação de todas as informações necessárias, ainda que com vistas a um bem comum, é bastante complexa. Ainda assim, crescentemente os produtores nacionais de setores bastante pulverizados têm logrado atuar em conjunto, como demonstra o caso dos alto-falantes, o que tem modificado o histórico mencionado anteriormente de ações de defesa comercial em setores com produção nacional concentrada.

No que diz respeito ao receio de que a imposição de medidas de defesa comercial possa levar os produtores nacionais a aumentarem abusivamente seus preços, é fato que não há integração no país entre a legislação e a estrutura de defesa comercial e de defesa da concorrência. Entretanto, é importante notar que os processos de defesa comercial não deixam de ser analisados também sob a ótica da defesa da concorrência, principalmente devido à participação do ministério da Fazenda no colegiado que compõe a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão este responsável pela decisão de impor ou não medidas de defesa comercial. Assim, no Grupo Técnico de Defesa Comercial, instância técnica da Camex para tal assunto, o Ministério da Fazenda se faz representar por técnicos da Secretaria de Assuntos Internacionais (Sain) e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), secretarias estas responsáveis pela análise dos processos de defesa da concorrência.

Em suma, da mesma forma que as indústrias nacionais têm à sua disposição a utilização das legítimas medidas de defesa comercial, o governo brasileiro tem às mãos todos os meios e instrumentos para garantir que estas não sejam utilizadas indevidamente.

Marcos Imamura é mestre em relações internacionais e gerente da Guedes & Pinheiro Consultoria Internacional.