Título: Quando o outono chegar
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2008, EU & Investimentos, p. D1

Enquanto as expectativas acerca de uma recessão americana prosseguem inconclusivas, o investidor terá de redobrar a cautela e tentar olhar para seu portfólio sob um ângulo à frente da crise. Não será março que trará definições e os preços no Brasil tendem a balançar, em alguma medida, ao ritmo dos mercados globais. O aparente descolamento observado em fevereiro - com alta de 6,72% do Índice Bovespa (Ibovespa) e queda de 3,98% do dólar em relação ao real - terá de ser confirmado. Para os analistas, a economia brasileira até tem fundamentos que justifiquem aplicações em ações, no real e em títulos prefixados. No curto prazo, os riscos estão, entretanto, atrelados à percepção de que o andar com freio de mão puxado nos Estados Unidos talvez não esteja de todo no valor dos ativos.

O mês começa com a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que decidirá, na quarta-feira, se impõe alguma mudança ao juro de curto prazo no Brasil. O consenso é de que o colegiado do Banco Central (BC) manterá a Selic em 11,25% ao ano, mas as atenções estão voltadas para a ata do encontro, a ser divulgada na próxima semana. É no tom expresso no documento que os agentes financeiros buscarão pistas sobre a eventual necessidade de um aperto monetário mais adiante. Se o câmbio valorizado tem ajudado, a alta das commodities e a expansão da atividade econômica local podem pressionar os índices de inflação.

"O BC não deve elevar os juros neste mês, nem em abril, mas tem adotado um discurso duro, dando a idéia de que a Selic pode subir em algum momento neste ano", diz o estrategista de investimentos para América Latina do Banco WestLB, Roberto Padovani. Para ele, a valorização do real tende a ter mais peso do que as commodities nas avaliações prospectivas de inflação, possibilitando a manutenção do juro primário - até porque a alta dos juros futuros acaba cumprindo o papel de encarecer o crédito, sem que o BC mexa na taxa. "O mercado tem se mostrado reticente em tirar os prêmios dos DIs futuros, então vale a pena ter posições em títulos prefixados."

Na sexta-feira, por exemplo, as Letras do Tesouro Nacional (LTN, prefixadas), com vencimento em 1º de outubro de 2009, pagavam retorno de 12,39% ao ano. Se tudo correr bem e a Selic for mantida em 11,25% ou cair até o resgate, o investidor terá travado, agora, uma rentabilidade melhor do que os juros que estarão vigentes lá na frente. Embora haja dúvidas sobre o rumo da Selic ao longo de 2008, no médio prazo, a taxa primária reencontrará a sua rota de queda, acredita o economista da Geração Futuro Administração de Recursos, Gustav Gorski. "Não faz sentido uma economia ajustada ter juros muito mais altos do que os internacionais", diz.

Juros mais baixos, melhor para a bolsa. Para Gorski, mesmo que a economia americana efetivamente entre numa recessão, não será o fim do mundo. Ele lembra que, pelo histórico de diagnósticos do Nacional Bureau of Economic Research (NBER), os episódios classificados como recessão nos EUA têm sido, nos últimos 20 anos, cada vez mais raros e de curta duração. As últimas duas recessões, em 1990 e 2001, levaram cerca de oito meses. Embora a identificação desses períodos seja um tema controverso entre os próprios economistas, uma regra bastante comum é de que uma economia está em recessão quando o PIB trimestral, medido a taxas anuais, é negativo por dois trimestres seguidos.

Para Gorski, boa parte desse cenário já está nos preços dos ativos, mas novos reveses podem se repetir. Ele sugere que o investidor evite reações explosivas (de manada). "Em janeiro, ninguém sabia para onde olhar, mas quem manteve a coerência ganhou." Com a economia brasileira em expansão, as companhias seguirão mostrando bons resultados e isso, em algum momento, vai se refletir no valor das ações.

Padovani, do WestLB, acredita que os mercados financeiros internacionais, em especial o americano, já estão ajustados a uma recessão suave nos EUA, como a observada em 2001. Assim, não haveria muito espaço para uma nova rodada de desvalorizações globais. Se os principais índices acionários ficarem no chove-não-molha, sem muita tendência, seria o melhor dos mundos para a bolsa brasileira. "Sem grandes solavancos lá fora, o mercado doméstico conseguiria reagir de modo mais consistente ao enfraquecimento do dólar, à queda dos juros americanos e à relativa sustentabilidade do crescimento mundial", diz.

Com o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) injetando liquidez nos mercados e a fuga dos investidores de ativos denominados em dólar, os maiores beneficiados seriam as commodities e as moedas emergentes - com novas valorizações da taxa de câmbio brasileira. "Com a continuidade do ciclo de alta de commodities, é razoável supor que o Ibovespa continuará subindo", acrescenta Padovani. O risco, adverte, é a recessão não estar de todo precificada, o que acabaria esbarrando nas commodities e no valor de mercado das companhias listadas na Bovespa.

Só a partir do segundo semestre é que a bolsa brasileira deve assumir uma tendência mais consistente de alta, diz o chefe da área de Renda Variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira. "O primeiro semestre deve ser ainda muito volátil, há muita incerteza sobre o desdobramento da crise dos EUA e ninguém sabe qual será o real impacto na atividade, quanto tempo a economia vai sofrer ou quanto leva para sair de uma recessão", afirma. Até lá, as ações de primeira linha tendem a ser privilegiadas.