Título: Crise Colômbia-Equador ruma para solução pacífica
Autor: Rittner, Daniel; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2008, Internacional, p. A14

A crise entre Equador e Colômbia começou ontem a rumar para um desfecho, com um acordo entre os dois países para criar uma comissão de investigação e apurar as circunstâncias da invasão de tropas colombianas em território equatoriano. Para o governo brasileiro, isso abre caminho para diminuir a tensão na América do Sul e tende a isolar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O primeiro passo foi dado, após 15 horas de negociações, com uma resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA), que declarou "violação à soberania" do Equador, mas evitou condenar a Colômbia.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou "madura" e "bastante rápida" a decisão da OEA, que montará uma comissão, liderada pelo secretário-geral, o chileno José Miguel Insulza. A comissão fará um relatório até a reunião de chanceleres dos países-membros, no dia 17, em Washington. Para Lula, "sem que haja uma ação em conjunto de todos os países, amanhã qualquer fronteira pode ser violada e as pessoas acharem que não têm de dar explicação".

A resolução é fundamental para baixar a temperatura da crise, avalia o Itamaraty, mas não contempla as exigências feitas pelo presidente do Equador, Rafael Correa, para sepultar as tensões e afastar completamente o risco de uma guerra. Em visita ao Brasil, que durou menos de 24 horas, ele reuniu-se com Lula e manteve a mesma retórica beligerante adotada na sua chegada. Correa afirmou que o governo do colombiano Álvaro Uribe é "indecente" e "perdeu toda a vergonha". Ele fez pronunciamento, no Palácio do Planalto, sem a presença de Lula, algo incomum nas visitas de chefes de Estado.

O presidente equatoriano deixou claro, na conversa com Lula, que só um pedido de desculpas "sem atenuantes" e a "garantia firme" de que não haverá novas invasões da Colômbia poderão afastar completamente o risco de guerra. Nem o cumprimento dessas duas condições, porém, levará ao restabelecimento das relações diplomáticas, segundo Correa. Elas continuarão rompidas enquanto Uribe não voltar atrás das acusações de que o Equador apóia os guerrilheiros colombianos das Farc.

Nos bastidores, tanto o Palácio do Planalto quanto o Itamaraty avaliam que houve progressos e há disposição de Correa de achar uma saída diplomática, mas acreditam que ele deverá manter uma retórica agressiva, como forma de lidar com as cobranças que recebe no seu país. O importante, para o governo brasileiro, é que Correa demonstra estar mais flexível nas negociações diplomáticas.

Não por coincidência, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, pediu comedimento dos líderes regionais em suas declarações. "Temos instado a todos que não elevem demasiadamente o tom", afirmou. Amorim disse ter visto avanços nos últimos dois dias e considerou "razoáveis" as condições impostas por Correa à Colômbia, relativizando a retórica dura do equatoriano. "As declarações expressam sentimentos que os líderes acham necessário expressar. Mas sinto que há o desejo de chegar a uma conclusão", disse o chanceler. "A solução da crise precisa necessariamente preservar a dignidade do Equador, que obviamente se sentiu ofendido e vulnerável por causa do ataque."

O Brasil vai manter o apoio à soberania do Equador, mas quer preservar os canais de diálogo com Bogotá. Também quer atuar mediador da crise na região, em posição antagônica à de Chávez. Lula conversou ontem à tarde com a presidente do Chile, Michelle Bachelet. O presidente deseja medir diariamente a temperatura da crise com líderes de países vizinhos e poderá telefonar hoje a Chávez. Bachelet disse a Lula não ter interlocução com o venezuelano.

A crise deu novos contornos à reunião do Grupo do Rio, um mecanismo informal de consultas políticas dos países latino-americanos, que começa hoje na República Dominicana. Amorim deverá conversar com o chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro. Correa já confirmou presença no encontro, amanhã, que pode ter ainda a presença de Uribe e Chávez.

Amorim deu ainda um recado aos Estados Unidos. O presidente George Bush apoiou publicamente Uribe, seu maior aliado na região, anteontem. O chanceler disse que a crise atual "é um problema primeiramente sul-americano, latino-americano em seguida". "Quanto mais nós pudermos manter esse problema na OEA e no âmbito latino-americano, mais conseguiremos evitar uma polarização."

Correa disse que a extensão e a porosidade das fronteiras amazônicas tornam "provável" a existência de acampamentos das Farc no lado brasileiro - fato reiteradamente negado por militares brasileiros e pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Correa irritou-se com perguntas sobre o suposto apoio de seu governo às Farc. Segundo ele, o "primeiro e único contato" com Raúl Reyes, o número 2 das Farc que morreu no ataque do fim de semana, ocorreu em 18 de janeiro e visava um acordo humanitário. "Esperávamos libertar em março dois ou três reféns, incluindo Ingrid Bettancourt."