Título: Disputa democrata vai até o fim sem definição
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Fonte: Valor Econômico, 06/03/2008, Opinião, p. A18

A senadora Hillary Clinton escapou do precipício ao vencer as primárias de Texas, Ohio e Rhode Island, ganhando mais uma chance para tentar chegar à indicação de candidata à presidência dos EUA pelos democratas. A disputa continua apertada e se estenderá até a convenção do partido em agosto, em uma longa, acirrada e, ao que tudo indica, não muito limpa batalha entre Hillary e Barack Obama. O impasse cria uma perspectiva frustrante: uma campanha entusiástica entre dois grandes contendores pode terminar sendo decidida pela máquina burocrática, os 795 superdelegados.

Barack Obama, que venceu em Vermont, terá que enfrentar agora os ataques de dois adversários, de Hillary e do candidato republicano já sagrado, John McCain, e eles certamente subirão de tom ao longo dos próximos meses. McCain já começou a atacar Obama porque os republicanos preferem ter claramente Hillary como adversária, dada a sua taxa de rejeição muito alta (40%).

Para quem estava arriscada a ter de encerrar a campanha, Hillary Clinton tem todos os motivos para festejar, embora isso não signifique que os ventos mudaram de direção a seu favor. Na complicada aritmética eleitoral americana, suas três vitórias lhe renderam não mais de duas dezenas de delegados a mais que Obama. E, com exceção de Ohio, as diferenças não foram muito significativas para quem, como ela, precisava de vitórias arrasadoras. Obama venceu em Vermont e também o "caucus" no Texas que se seguiu às primárias, onde angariou mais 30 delegados, contra 27 de Hillary, praticamente anulando a vantagem da senadora nas primárias do Estado.

Obama declarou ontem que saiu das primárias como entrou - com pouco mais de 100 delegados à frente. Há várias projeções disponíveis, todas apontando dianteira superior a uma centena de delegados para o rival de Hillary. Na contagem que inclui os superdelegados, os 795 membros da cúpula partidária que votarão na convenção, a diferença a favor de Obama se mantém - 1.562 a 1.461. Os números não contam toda a história, como sempre. Obama vem de uma série ininterrupta de 11 vitórias, depois de empolgar como raras vezes se viu a militância democrata e arrastar uma significativa massa de novos eleitores para as primárias. Sua campanha por "mudanças" captou o espírito de uma época marcada pela desilusão de dois péssimos mandatos de George W. Bush e da pasmaceira burocrática dos políticos democratas. Além disso, seu slogan caiu como uma luva para diferenciá-lo de sua oponente, que errou do começo ao fim em sua campanha e concorreu como se fosse a incumbente, como observou ironicamente a revista britânica "The Economist".

Barack é a grande novidade da campanha eleitoral americana, o que não lhe traz apenas vantagens. Em desespero, a campanha de Hillary levantou suspeitas sobre sua integridade e honestidade por duas vezes. Uma, ao divulgar que o principal assessor econômico de Obama dissera a diplomatas canadenses que a posição do candidato a respeito da revisão dos acordos do Nafta não era para valer. Outra, ao relembrar sua amizade com Tony Rezko, processado por corrupção e outras falcatruas, que teria obtido vantagens para Obama em uma transação imobiliária. As acusações podem não levar a nada, mas elas visam atingir a aura de Obama e jogá-lo na vala comum da velha política. A campanha de bater pesadamente funcionou nas últimas primárias e o temor é de que esta arma passe a ser usada freqüentemente pelos dois concorrentes, para desespero dos democratas e alegria dos republicanos.

Seja como for, Obama, depois de eliminar o franco favoritismo de Hillary, não obteve o nocaute que precisava para conseguir a nomeação e as coisas para ele se tornaram agora bem mais difíceis. A próxima primária de peso, pelo número de delegados, será realizada no dia 22 de abril na Pennsylvania, Estado com perfil de eleitores semelhante ao de Ohio, onde Hillary venceu. Já as pesquisas sobre as disputas de março em Wyoming e Mississipi dão Obama como favorito. As chances de liquidar a partida antes da convenção escaparam das mãos de Barack Obama e tudo pode acontecer daqui para a frente em uma das mais surpreendentes campanhas eleitorais da história americana.