Título: Crise para o próximo governo espanhol
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2008, Opinião, p. A19

O resultado da eleição espanhola deste domingo é incerto. Seguro, porém, é que o vencedor passará os próximos quatro anos saneando uma desordem econômica numa escala inédita para a Espanha em tempos modernos.

Os motores gêmeos da crise econômica espanhola que se avizinha são um colapso no mercado habitacional e um déficit em conta corrente, hoje de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dois são evidentemente relacionados, pois a bolha no mercado imobiliário tem sido a força motriz por trás do boom de gastos financiados por endividamento.

Em resposta à indagação sobre o que fazer em relação ao crescente déficit em conta corrente, ouvi de um respeitado economista espanhol que a melhor resposta seria deixar de publicá-lo. Ele estava brincando, creio, mas não tenho certeza total disso. É lógico, não pode haver crise monetária, uma vez que a Espanha não tem uma moeda apenas sua. Mas, mesmo para países que participam de uma união monetária, enormes desequilíbrios em conta corrente têm conseqüência. Sinalizam um ajuste futuro. Em nenhum setor esse ajuste será mais doloroso do que no mercado habitacional.

Recentemente, passei a colecionar assustadoras estatísticas sobre o mercado habitacional. Uma das minhas favoritas é um gráfico do Banco da Espanha revelando que alvarás e aprovações de construção despencaram da borda de um precipício a partir de 2006. Em seu pico, o número de alvarás para construções estavam crescendo a uma taxa anual de 25%. No segundo semestre de 2007, esse número havia caído 20% - e provavelmente continua em queda. A queda nos preços das moradias é muito inferior à desses percentuais, mas trata-se apenas de uma questão de tempo, pois os vendedores tendem a sofrer de um delírio coletivo neste estágio do ciclo no mercado habitacional.

Entre 1995 e o ano passado, os preços das moradias na Espanha triplicaram em termos nominais e dobraram em termos reais. Diversas explicações foram oferecidas: uma tendência de os jovens deixarem mais cedo as casas de seus pais, crescimento da imigração e a popularidade do país entre os compradores de residências provenientes do norte da Europa. Mas, cautela com os argumentos baseados no lado da demanda. Essas justificativas são geralmente cíclicas e o ciclo está apenas começando a virar. Além disso, como a oferta cresce com a demanda, agora há um excesso de casas não vendidas.

Acredito que os preços reais das moradias na Espanha cairão quase tanto quanto subiram ao longo dos últimos dez anos. Se examinarmos os preços reais das moradias nos EUA ou na Alemanha no decorrer de períodos muito longos, veremos que eles permaneceram praticamente inalterados - com deveria ocorrer.

O custo de construção de uma moradia é relativamente constante, e a terra não é usada para trabalho produtivo. Com certeza, a compra de uma moradia protege seu investidor contra a inflação. Mas, desde que a oferta de habitação seja relativamente elástica, os preço das moradias não devem subir em termos reais. Uma vez que a Espanha continua gerando despreocupadamente taxas de inflação relativamente vigorosas, o impacto sobre os preços nominais serão um pouco menos severos.

-------------------------------------------------------------------------------- Espanha está relativamente mais bem preparada para compensar um breve abalo cíclico do que países que partiram de déficits excessivos, como o Reino Unido --------------------------------------------------------------------------------

Existem algumas notáveis exceções à regra de não aumento nos preços das moradias: por exemplo, o Reino Unido, onde os preços reais vieram subindo ao longo dos anos, mas por razões extremamente patológicas não necessariamente presentes em outros países. O mercado espanhol é estruturalmente mais similar ao dos EUA e da Alemanha, no sentido de que um crescimento da demanda é geralmente satisfeito por uma alta compensatória na oferta. Segundo essa lógica, uma parte substancial do anormal aumento nos preços das moradias ajustados pela inflação será revertida quando o ciclo no mercado habitacional entrar em declínio.

O impacto econômico desse declínio no ciclo habitacional será pior para a Espanha do que por outros países. Uma estatística verdadeiramente assustadora sobre a Espanha é o fato de que o investimento em construção civil contribui com 18% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol, segundo o banco de dados Ameco, da União Européia (UE). Na França e Alemanha, essa proporção é de aproximadamente 10%.

Quando os preços das moradias caírem, o PIB será afetado de duas maneiras: a primeira é o efeito direto de uma queda dos investimentos em construção e o segundo é o efeito indireto sobre o consumo, pois as pessoas deixarão de extrair nova liqüidez de suas residências, que poderiam usar para gastos em consumo. Se a participação do setor de construção civil no PIB caísse para 10% gradualmente no decurso de um período de, digamos, quatro anos, o efeito direto sobre o crescimento resultaria próximo de dois pontos percentuais por ano.

Some-se a isso o "efeito consumo" da desvalorização das moradias e deduziremos facilmente uma meia década de crescimento nulo - talvez por mais tempo, talvez mais grave, possivelmente ambos.

Evidentemente, a economia espanhola tem alguns ponto fortes notáveis. Um deles é sua posição fiscal. O país vem mantendo superávits orçamentários e tem uma proporção administrável de endividamento em relação ao PIB. A Espanha, portanto, está relativamente mais bem preparada para compensar um breve abalo cíclico do que, por exemplo, países que partiram de déficits excessivos, como o Reino Unido. Durante um longo período de ajuste, porém, a política fiscal não irá ajudar.

Em segundo lugar, a Espanha tem um setor bancário moderno e robusto que tem evitado algumas das armadilhas dos modernos mercados de crédito. Mas os bancos espanhóis terão problemas a partir do momento em que as taxas de inadimplência dos mutuários começarem a crescer. E em termos de reformas estruturais, a Espanha tem baixa pontuação nas classificações segundo mercado de produtos e regulamentação de atividades varejistas e em termos de política competitiva.

Agora que a economia da bolha está, em larga medida, enterrada, o principal problema, para os vitoriosos na eleição de domingo, será - à parte a crise de gestão - a busca de um novo modelo de crescimento, baseado em crescente produtividade. Infelizmente, também ainda não caiu a ficha dos espanhóis para essa realidade.