Título: Donos do próprio nariz
Autor: Cotias, Adriana; Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2008, Investimentos, p. D1

Longe de afugentar a pessoa física da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), a crise internacional evidenciou que o mercado brasileiro começa a construir um perfil de investidor mais maduro, disposto a encarar, de fato, a renda variável como uma opção de poupança de longo prazo. Os números do home broker, o sistema de negociação de ações pela internet, mostram que, com o sem turbulência, o aplicador tem mantido intensa atividade nas transações de compra e venda de papéis pela rede mundial de computadores. A tese do tornar-se sócio das empresas investidas nunca esteve tão em voga.

Em fevereiro, o volume movimentado pelo home broker alcançou R$ 24,8 bilhões, um crescimento de 170,4% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando a bolsa chinesa pegava o mundo todo no contrapé ao perder 8% num único pregão e a inadimplência nas hipotecas americanas de alto risco dava os seus primeiros soluços. De lá para cá, a quantidade de investidores com ofertas colocadas na rede mais do que dobrou, totalizando 198,4 mil CPFs até o dia 29.

Mesmo com o movimento de queda provocado pela cena internacional logo na estréia de 2008, companhias como Vale, CSN e Usiminas vão bem e o investidor começa a perceber os momentos de maior estresse como oportunidade, diz o gerente de negociação eletrônica da Intra, José Luiz Martins. "É claro que ainda há aquele com perfil imediatista, mas o que mais se nota são iniciantes que vêem o home broker como uma porta de entrada para a bolsa e estão dispostos a fazer poupança longa, uma reserva para a aposentadoria." Na corretora, que tem uma base ativa de 30 mil clientes, 6 mil operam pelo sistema, o que quer dizer que há ainda muito espaço para avançar. A área contribui com cerca de um terço das receitas e a intenção, conta Martins, é de que represente metade.

Cinco anos consecutivos de alta do Ibovespa, um ciclo de queda de juros de mais de dois anos e a proliferação de ofertas públicas iniciais (IPO, em inglês) colocaram os holofotes sobre a renda variável. Além disso, os programas de popularização promovidos pela Bovespa tiveram o mérito de desmistificar a idéia de que comprar e vender ações era negócio de gente abonada. "Diante de juros menores, os investidores começam a buscar outras oportunidades", diz Ricardo Pinto Nogueira, diretor de operações da Bovespa.

Em fevereiro, embora o volume total negociado na Bovespa tenha diminuído em comparação a janeiro, os negócios pelo home broker até aumentaram, o que fez com que a participação dos pequenos e médios investidores crescesse de 10,3% para 11,5% do total. "Mesmo com a crise do 'subprime', o investidor permaneceu no mercado."

Segundo Nogueira, os investidores negociam em média R$ 100 mil por mês, o que representa de 10 a 12 operações. "Cada vez mais as pessoas têm acesso à internet e também aceitam correr riscos maiores", diz. Sempre que há grandes aberturas de capital, o número de investidores no sistema aumenta, lembra o executivo. Ele conta que na época da oferta pública da Bovespa Holding , em outubro, a quantidade passou de 130 mil para 173 mil. Um mês depois, na oferta da BM&F, chegou a 215 mil.

Com o Brasil às vésperas de receber o "investment grade" (o selo de mercado não especulativo), mais pessoas físicas devem desembarcar na Bovespa, acrescenta Martins, da Intra. "Com o dinheiro dos fundos de pensão que ainda não podem aplicar aqui, maior o potencial de valorização das ações e, por conseqüência, maior atração de novos investidores."

Diante dos bons fundamentos da economia brasileira, o candidato a sócio de uma empresa aberta pode passar ao largo das turbulências de curto prazo e buscar oportunidades nos movimentos de alta ou de baixa da bolsa, diz o gerente comercial da Ágora, Hélio Pio. A corretora, que tem uma base ativa de cerca de 50 mil clientes, faz, na média, 100 cadastros ao dia, com ou sem crise. "É um sinal de maturidade do investidor que se pergunta, nesses momentos, se os fundamentos das companhias em que investe mudaram e evita o comportamento de manada."

Do lado operacional, os investimentos em tecnologia feitos pelas corretoras e a simplificação trazida pela cobrança da corretagem fixa tornaram o home broker um sistema amigável para quem quer gerenciar a própria carteira de ações. Essa combinação também colocou as corretoras independentes em pé de igualdade com os bancões, que já contavam com uma ampla base de clientes dentro de casa para angariar para suas corretoras. A Título, por exemplo, ocupa hoje o segundo lugar no ranking por volume, com giro de R$ 1,9 bilhão ao mês, à frente do Bradesco - que vem cortejando a Ágora, a primeira colocada. O salto da Título com o seu sistema "EasyInvest" se deu, principalmente, a partir de 2002, quando a instituição optou pela corretagem fixa, conta o diretor Amerson Magalhães. Hoje, o custo por operação é de R$ 10,00, o menor do mercado.

Os IPOs da Bovespa e da BM&F expuseram, entretanto, os gargalos de infra-estrutura do mercado, que avançou num ritmo mais acelerado do que podia comportar, diz o diretor da Interfloat, Roberto Lombardi. "Foram episódios que serviram de alerta para as bolsas e para as corretoras, que apertaram o passo na atualização tecnológica", diz. Especializada em derivativos, a corretora começa também a se destacar no home broker da Bovespa. Girou R$ 1,075 bilhão no mês passado e galgou à sétima posição no ranking, após ter fechado 2007 em nono lugar.

Com menos de um ano em operação, a E.UM Investimentos, braço de negociação eletrônica da corretora Umuarama, já aparece na 17ª colocação entre as corretoras com maior movimentação no varejo, com R$ 430 milhões. Para tentar se diferenciar da concorrência, a corretora mantém um gerente de investimentos para cada 50 clientes, diz o sócio Marcello Giancoli. O total de clientes cadastrados é de 3 mil e, em média, 300 novos cadastros são feitos por mês.

Para atender a demanda dos aspirantes à renda variável, a Ativa Corretora montou um projeto educacional, que ensina como funciona o mercado acionário. "Depois de um IPO de sucesso, muitos clientes querem começar a operar, mas nem todos têm conhecimento", diz a diretora comercial Silvia Werther. O cliente tem acesso aos mesmos relatórios que a corretora elabora para os institucionais, sem custo adicional. A política de custos também é bastante agressiva, de R$ 15 por ordem.

No Santander, a aposta está nas salas de ações, onde os clientes dispõem de computadores para comprar e vender os papéis, além de dois funcionários para orientar e ajudar nas operações mais complexas, diz Orlando Zainaghi, superintendente comercial de varejo. "As salas acabam ajudando mais os investidores entrantes, que começaram a operar há pouco tempo", conta.