Título: Cartões corporativo, de incentivo e de crédito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2008, Legislação & Tributos, p. E2

O que o cartão corporativo, o de incentivo e o de crédito possuem em comum? O cartão corporativo tornou-se célebre nesses últimos meses em razão da discussão política gerada - debate no qual não pretendemos ingressar -, em decorrência de gastos pessoais realizados por determinados funcionários públicos, que deveriam utilizá-lo estritamente para os fins da administração.

Mencionado cartão surgiu no governo anterior para evitar os trâmites burocráticos de pequenas despesas da administração, e. g., estadia, transporte, alimentação, possibilitando um maior controle de gastos de funcionários em serviço, sem necessidade de que eles tenham que requerer com antecedência o adiantamento de recursos financeiros para os respectivos dispêndios.

Ainda que o objetivo deste cartão tenha se tornado nebuloso, passando tal mero instrumento a ser condenado em meio à polêmica, não podemos deixar de ressaltar que em nenhuma das milhares de notícias surgidas a respeito do cartão corporativo se aventou que os excessos cometidos por tais funcionários poderiam ter natureza salarial.

Isso porque há, de uma certa forma, um consenso de que o gasto realizado no cartão corporativo nada mais é do que uma despesa da própria administração, despesa esta necessária para a consecução de seu fim, mas não habitual e de quantia variável, que em nada acresce ao patrimônio do funcionário público!

Tal consenso geral encontra fundamento jurídico na medida em que o gasto no cartão corporativo não se enquadra na previsão contida no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece como fato gerador do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, entendida como produto do trabalho e/ou do capital, ou de qualquer outro acréscimo patrimonial que configure fonte geradora de riqueza nova.

O dispêndio no cartão corporativo também não se circunscreve nos limites traçados pelo artigo 22 da Lei nº 8.212, de 1991, o qual prevê a contribuição da empresa à seguridade social à alíquota de 20% sobre o "total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título,...destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial...."

-------------------------------------------------------------------------------- A Receita e o INSS autuaram empresas que utilizaram o cartão de incentivo ou o cartão de crédito (corporativo) --------------------------------------------------------------------------------

A título de exemplo, vale mencionar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem decidindo o tema em conformidade com a presente linha de raciocínio, conforme se verifica no trecho da ementa extraída do recurso especial nº 44.0916, relatado pelo ministro Luiz Fux: "O ressarcimento das despesas realizadas a título de quilometragem, prestadas por empregados que fazem uso de seus veículos particulares, não tem natureza salarial, não integrando, assim, o salário-de-contribuição para fins de pagamento da previdência social."

Transportando o episódio para o âmbito privado chegamos inevitavelmente ao cartão de incentivo e ao cartão de crédito, utilizados por empresas por serem mais práticos e seguros do que o trabalhoso e burocrático processo de adiantamento e/ou reembolso de despesas, em que há a transferência de moeda física ao funcionário pela empresa ou o gasto pelo empregado com seus próprios recursos, seguido do reembolso das despesas da empresa ao empregado, com base no imprescindível relatório de despesas apresentado.

Contudo, ainda que tal cenário possa parecer cristalino, o antigo Instituto Nacional do Seguro Social e a Secretaria da Receita Federal, hoje Receita Federal do Brasil, exercendo o poder-dever de fiscalização, lavraram autos de infração contra inúmeras empresas que utilizaram o cartão de incentivo ou o cartão de crédito (corporativo) para facilitar o controle das despesas de seus funcionários sob o argumento de que tais cartões eram utilizados para disfarçar o pagamento de verba salarial.

Tais autuações, que chegaram a estremecer um importante segmento econômico, resultaram não apenas em autuações milionárias, decorrentes da exigência da contribuição da empresa à alíquota de 20%, da contribuição do empregado e até do Imposto de Renda na Fonte, como também em arrolamento de bens e na abertura de inquérito policial contra sócios e administradores da pessoa jurídica, antes mesmo da finalização do processo administrativo tributário.

Naturalmente que desvios na utilização dos cartões e/ou pagamento de verbas que possuam natureza salarial devem sim ser fiscalizados pela administração no cumprimento de seu dever, que exigirá eventuais impostos e contribuições não recolhidos com todos os acréscimos legais, garantindo ao contribuinte o devido processo legal administrativo e judicial.

Porém, em tal empreitada há de se evitar a perigosa generalização, por vezes veiculada pela própria administração, que vê o cartão de incentivo e o cartão de crédito como um mecanismo de fraude e sonegação de tributos adotado por "inescrupulosos" empresários, pois, segundo ela, os dispêndios nele realizados sempre teriam natureza salarial.

Assim, sob o prisma jurídico, o episódio dos cartões corporativos pode levar a administração a ser dar conta de que ela própria entende o seu cartão corporativo, idêntico aos de incentivo e de crédito utilizados por empresas, não como um veículo de fraude à lei, mas sim como um mero instrumento plástico que pode ser utilizado como uma legítima forma de adiantamento e/ou reembolso de despesas.

Luiz Rogério Sawaya Batista ,é sócio do Nunes e Sawaya Advogados

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