Título: Dividido, STF decide amanhã futuro das pesquisas com células-tronco no país
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Brasil, p. A2

Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República: responsável, em 2005, pela ação contra o uso de células-tronco O Supremo Tribunal Federal (STF) decide amanhã sobre a possibilidade de serem realizadas pesquisas com células-tronco. Será o primeiro grande julgamento do ano no STF e não envolve grandes interesses político-partidários, como o mensalão e a fidelidade partidária, ou econômicos, como os recentes aumentos de impostos para compensar a perda da CPMF e a elevação da Cofins. Mas, assim como costuma acontecer nesses casos, a expectativa é que o plenário do tribunal, composto por 11 ministros, fique dividido.

O julgamento é considerado como um dos mais importantes da história da Corte por tratar do direito à vida. Formalmente, este direito está previsto no caput do artigo 5º da Constituição, que garante a "inviolabilidade do direito à vida". É "cláusula pétrea", ou seja, dispositivo que não pode ser alterado nem por emenda à Constituição. O desafio dos ministros será dizer se o uso de células-tronco a partir de um embrião fere ou não esse direito.

A expectativa é que o plenário se divida em duas correntes. Os ministros com maior apego à religião e com uma visão mais formal do direito devem votar contra a pesquisa em células-tronco. Eles devem se basear no fato de a Constituição garantir "a inviolabilidade do direito à vida" sem se estender a que tipo de vida está se referindo - a do embrião, ou a que surge a partir da fecundação no útero. Outra corrente de ministros deve evoluir a partir do que prevê a Constituição para dizer que a vida começa com a fecundação e que as pesquisas científicas vêm para garantir que os cidadãos tenham condições mais favoráveis de vida.

A ação contra o uso de células-tronco foi proposta em maio de 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Católico praticante, Fonteles atacou o artigo 5º da Lei de Biossegurança (lei 11.105), aprovada dois meses antes, que permitiu o uso de células obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização "in vitro" para fins de pesquisa e terapia.

Fonteles argumentou que existem outras formas de pesquisa que não interrompem a vida humana. "A vida humana é dinamismo inesgotável. Do embrião ao ancião seja-nos permitido vivê-la", escreveu Fonteles aos ministros. Sucessor de Fonteles no comando do Ministério Público, Antonio Fernando de Souza deverá reforçar essa posição.

Por outro lado, a tendência inicial é a de que a maioria dos ministros seja favorável à lei. Primeiro pelo fato de o relator do processo, o ministro Carlos Ayres Britto, já ter feito uma diferença entre o embrião "in vitro" e aquele "que irrompe e evolui nas entranhas de uma mulher". Britto ressaltou que este último embrião só adquire as características da pessoa humana "com a meticulosa colaboração do útero e do tempo". Nesse ponto, o relator se aproximou bastante da argumentação de entidades de cientistas que diferenciam os embriões a serem utilizados em pesquisas da pessoa humana.

Em segundo lugar, está a visão da maioria dos ministros no julgamento do último processo relevante envolvendo o direito à vida no tribunal: o fim de pena para a gestante que praticar aborto em caso de anencefalia (feto sem cérebro que morre após nascer). Em abril de 2005, 7 dos 11 ministros aceitaram julgar a ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde e alguns anteciparam o mérito. Celso de Mello chegou a dizer que a punição da gestante, neste caso, é "desproporcional e inconstitucional".

Os debates deverão ser profundos na Corte. Na ordem de votação, o ministro Carlos Alberto Direito é o primeiro a votar depois do relator (Britto). Em seminário, há sete anos, Direito declarou que "o embrião humano é vida" e foi contrário às pesquisas. Logo, a divisão de duas correntes deverá se instalar-se no início do julgamento e poderá definir o voto de ministros indecisos no decorrer dos debates.