Título: Argentina quer novos investimentos para renovar acordo
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Brasil, p. A4

O governo argentino está pressionando os fabricantes de autopeças a investir no país. Esse é o principal nó para a renovação do acordo automotivo de Brasil e Argentina, que controla o comércio neste setor e expira em 30 de junho. Um novo acerto deve prorrogar por mais cinco anos a isenção de tarifas de importação mediante alguns limites. Os sócios do Mercosul já deixaram claro, no entanto, que não vão se comprometer com o livre comércio no fim desse período. "Não podemos desde já prever o que vai acontecer daqui há cinco anos", disse Ivan Ramalho, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento.

Os argentinos amargaram déficit de até US$ 1,4 bilhão com os brasileiros em autopeças em 2007. Este segmento impediu uma queda mais significativa do prejuízo total da Argentina com o Brasil no setor automotivo, que ficou em US$ 2 bilhões no ano passado, 7% a menos que em 2006. Em veículos prontos (carros, automóveis e ônibus), o déficit dos argentinos foi de US$ 400 milhões, o que significou queda de mais de 35% comparado com 2006. Nos carros de passeio, a Argentina conseguiu até um pequeno superávit de US$ 78 milhões com o Brasil em 2007.

"Precisamos recuperar a indústria de autopeças da Argentina que migrou para o Brasil na década de 90", disse ontem o secretário de Indústria da Nação do Governo Argentino, Fernando Fraguío, após a primeira reunião bilateral deste ano do comitê automotivo Brasil - Argentina, que aconteceu em São Paulo. Ele atribuiu a crise na indústria de autopeças do país aos incentivos fiscais concedidos pelos Estados brasileiros e às políticas econômicas desastradas de antigos governantes da Argentina.

Os fabricantes de autopeças argumentam que não há escala no país vizinho que justifique gastos significativos. "Investimento não acontece por decreto. Só se houver incentivos", disse ao Valor Antônio Carlos Meduna, principal negociador do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças). Ele explica que a consolidação da indústria é necessária para elevar a competitividade e reduzir preços.

O comércio de autopeças é hoje o maior responsável pelo desequilíbrio que persiste na balança comercial dos dois países, apesar da recuperação do consumo, da produção e da exportação argentina de veículos. Segundo o governo argentino, o país registrou déficit de US$ 1,4 bilhão com o Brasil em autopeças em 2007, mas há divergências sobre o dado. Para o governo brasileiro, o déficit ficou em US$ 1 bilhão. De qualquer forma, o prejuízo para os argentinos é crescente. O déficit estava em US$ 420 milhões em 2005 e em US$ 910 milhões em 2006.

De acordo com Juan Cantarella, gerente geral da Associação de Fábricas Argentinas de Componentes (Anfac), a indústria local responde por 32% das autopeças consumidas no país. Ele diz que o percentual é "muito pequeno" e que a produção argentina cresceu em valores absolutos, mas não em participação relativa. Apesar do câmbio favorável - o dólar está cotado a 3,10 pesos -, Cantarella afirmou que a inflação corrói parte dos benefícios. "O setor de autopeças hoje é o maior problema no comércio bilateral".

Em veículos prontos, o comércio entre os dois países está mais equilibrado. O déficit da Argentina com o Brasil caiu de US$ 1,26 bilhão em 2005 para US$ 806 milhões em 2006 até atingir os US$ 419 milhões do ano passado. Com os mercados dos dois países crescendo , as montadoras recuperaram suas fábricas na Argentina e elevaram os embarques para o Brasil. "Este é um momento especial para construir acordos que gerem investimentos", disse Antônio Sérgio Martins Mello, vice-presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e diretor de assuntos corporativos da Fiat.

Para Ramalho, do Ministério do Desenvolvimento, um prazo mais longo para o acordo trará mais previsibilidade para o investimento. Os dois países cogitam cinco anos, mas ainda não bateram o martelo. Durante a reunião de ontem, não foi discutido qual será o "flex", mecanismo que controla o comércio. Hoje, para cada dólar importado, o Brasil pode exportar no máximo US$ 1,95. O "flex" efetivamente praticado pelas montadoras atualmente é de US$ 1,5.

Não será tarefa fácil convencer a indústria de autopeças a produzir na Argentina. Tecnicamente, estabelecer "flex" apenas para autopeças é complicado. Fraguío reconheceu que os investimentos tem que ser "voluntários", mas espera ajuda "efetiva" do Brasil. A negociação não chegou nesse ponto, mas uma fonte experiente enumera algumas possibilidades. O BNDES poderia financiar empresas de autopeças brasileiras que invistam na Argentina. O Brasil não reclamaria de medidas pouco ortodoxas dos argentinos de apoio à indústria. Ou ainda seriam criados "dispositivos inteligentes" no acordo para estimular a produção. As negociações estão apenas começando. Os dois governos voltam a se reunir em 27 de março, em Brasília, e em 10 de abril, em Buenos Aires.