Título: Tensão entre Lula e TSE começou na crise do mensalão
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Política, p. A13

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não recebeu nenhuma representação específica sobre os programas sociais que o governo Luiz Inácio Lula da Silva está ampliando neste ano eleitoral - o Bolsa Família e o Territórios da Cidadania, também uma junção de vários projetos existentes - e, mesmo assim, eles se tornaram motivo de crise entre Lula e o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello. Motivo: o governo se sente perseguido pelas decisões do TSE, que, desde o início da crise do mensalão tem sido rigoroso com os políticos, de forma geral, e com o presidente Lula, de maneira específica, e o tribunal não se intimida em fazer críticas e apontar possíveis ilegalidades cometidas pelo governo.

O rigor com o governo federal e com o PT, em particular, que por estar no governo recebe o maior número de objeções, surgiu antes mesmo das eleições de 2006. Em outubro de 2005, em meio às investigações do mensalão no Congresso, os ministros do TSE consideraram irregular o dízimo de 10% que o PT cobra dos militantes que ocupam cargos no governo. O problema, segundo o tribunal, era o repasse de dinheiro dos cofres da União, por meio de salário pago aos servidores petistas, ao partido através de doações, a título de dízimo. Durante a eleição, o TSE foi bastante rigoroso ao suspender propagandas institucionais do governo envolvendo programas sociais da gestão de Lula. Além disso, o TSE concedeu diversos direitos de resposta contra a campanha de reeleição do presidente e de seus aliados políticos nos Estados. Foram inúmeras as decisões em que o TSE barrou a participação de Lula no horário eleitoral de candidatos do PT a governos estaduais. Estes casos ficaram conhecidos como "invasão" do presidente no tempo de outros candidatos. Advogados da campanha do presidente reclamaram, alegando que Lula estava apenas manifestando o seu apoio nos Estados. Mas, o TSE acabou reduzindo, na TV e no rádio, as aparições de Lula e retirou ainda o tempo de campanha do presidente em vários Estados.

Houve um novo conflito entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2006, quando o TSE abriu investigação para apurar a suposta fabricação por petistas de um dossiê contra a campanha de José Serra. O episódio, em que surgiram fotos do dinheiro que seria utilizado para pagar o dossiê, que tentava ligar Serra à máfia das ambulâncias, prejudicou a campanha do presidente. Na época, líderes da oposição - como Tasso Jereissati (PSDB) e Jorge Bornhausen (DEM) - procuraram o TSE para fortalecer as suas críticas ao governo e obtiveram a abertura de investigação.

Após a campanha, o TSE reprovou as contas de campanha do presidente Lula por causa de uma doação supostamente irregular de R$ 10 mil. Somente em 14 de fevereiro passado, o tribunal reconsiderou essa decisão ao concluir que a empresa que fez a doação de R$ 10 mil - a Deicmar - não era concessionária de serviço público, mas sim, empresa aduaneira e, portanto, estaria autorizada a colaborar.

As representações contra a campanha do presidente estão sendo julgadas até hoje. Na semana passada, o TSE retomou o julgamento de um recurso interposto pelos advogados de Lula contra uma condenação de R$ 900 mil pelo fato de o governo ter distribuído um milhão de exemplares do jornal "Brasil, um País de Todos", em formato tablóide, com realizações do governo durante a gestão do petista. Neste caso, a multa foi imposta contra o próprio Lula. Houve pedido de vista e o julgamento foi suspenso.

Em janeiro passado, logo após o governo anunciar a extensão do Bolsa Família, Marco Aurélio concedeu as primeiras entrevistas alegando que a Lei Eleitoral (nº 11.300) proíbe a distribuição gratuita de "bens, valores e benefícios" em ano eleitoral. A extensão do programa irá atingir fundamentalmente os jovens, entre 16 e 18 anos e o TSE, na época, já pretendia fazer campanha institucional para convencê-los a votar nas eleições deste ano. As entrevistas do ministro serviram como alerta de que o tribunal pode conceder novas decisões contrárias ao governo, tendo como base a Lei Eleitoral. Essa lei foi aprovada em 2006 na esteira dos escândalos do mensalão, com o objetivo de moralizar o processo eleitoral e ficou conhecida como mini-reforma eleitoral. Na semana passada, Marco Aurélio voltou a criticar os programas, citando, desta vez, o Territórios da Cidadania.

O presidente Lula resolveu, então, partir para o ataque e disse que seria bom se o Judiciário "metesse o nariz apenas nas coisas dele". Apesar de não citar o presidente do TSE, a crítica de Lula, feita durante a abertura do programa, foi direcionada a ele.

Agora, o governo tentará reverter a questão formalmente no TSE. Advogados da União pretendem defender a tese de que o espírito da Lei Eleitoral é outro. Ela foi feita para proibir a distribuição de cestas básicas, de materiais de construção, para evitar a compra de votos nas eleições, mas não para inviabilizar os programas sociais. O governo irá argumentar que, a prevalecer a posição do presidente do TSE, os programas sociais serão vedados em todos os anos pares, que são os anos em que ocorrem eleições. O TSE, porém, não está vedando os programas sociais, mas apontando a possível ilegalidade de sua ampliação pra atingir outras faixas do eleitorado.

Até ontem, o TSE havia recebido duas consultas sobre a efetivação de programas sociais em ano eleitoral. Nenhuma citava o Bolsa Família e o Territórios da Cidadania. A primeira é do PSB e questiona a distribuição de benefícios em ano eleitoral. A segunda é do deputado Leonardo Vilela (PSDB-GO) e trata do mesmo assunto.

Para que os programas sejam suspensos pela Justiça é preciso que o TSE primeiro julgue favoravelmente às consultas. Em seguida, alguém deve ingressar com representações específicas quanto a cada um dos programas sociais do governo federal. Depois, o TSE teria que decidir a favor dessas ações. O governo ainda poderia recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra eventuais decisões desfavoráveis aos seus programas. Mas, o TSE ainda sequer marcou a data do julgamento das consultas.

Apesar de o caso estar longe de uma solução, o TSE costuma ser rápido nos julgamentos, principalmente quando se referem a definições necessárias à campanha em ano eleitoral.