Título: Brasil ignora ameaça de Chávez, critica Uribe e quer apuração na OEA
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Internacional, p. A14

Recusando-se a fazer críticas diretas à mobilização de tropas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o governo brasileiro condenou a ofensiva militar que resultou na morte de guerrilheiros colombianos e cobrou de Bogotá um pedido de desculpas "mais explícito" ao Equador, que ontem rompeu formalmente relações diplomáticas com a Colômbia. A Venezuela expulsou o embaixador colombiano, mas não estava claro ontem se romperia definitivamente a relação com Bogotá.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu que a crise entre Colômbia e Equador é "altamente preocupante" e "extremamente grave", ressaltando que "a violação territorial é condenável". O uso dessas expressões - pouco freqüentes no intrincado jargão diplomático - refletiu o nível de tensão com que o Itamaraty e o Palácio do Planalto trataram, nas últimas 48 horas, a possibilidade de um conflito armado entre os dois países, com participação também da Venezuela de Chávez.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou aos presidentes do Equador, Rafael Correa, e da Colômbia, Álvaro Uribe. Do primeiro, segundo relato de Amorim, ouviu que as desculpas apresentadas por Uribe eram "insuficientes".

Já o presidente colombiano reiterou a Lula que mantinha as "qualificações" do pedido - ou seja, que o ataque não podia ser evitado e era uma resposta às Farc. Diante do impasse, o próprio Lula orientou Amorim a mobilizar os governos latino-americanos para uma reunião de emergência na Organização dos Estados Americanos (OEA), hoje em Washington.

O Brasil tentará convencer Colômbia e Equador a aceitar a criação de um comitê de investigação, liderado pelo próprio secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, para apurar em que condições ocorreu a invasão do território equatoriano por tropas colombianas. "O governo colombiano tem uma versão, e o governo do Equador tem outra. Somente uma investigação pode esclarecer", disse Amorim.

O chanceler procurou deixar claro - enfatizando esse comentário pelo menos cinco vezes durante sua entrevista - que a responsabilidade por "baixar a temperatura" da crise é da Colômbia e lembrou que a inviolabilidade do território é um "princípio basilar" das relações internacionais. "Uma violação territorial é algo condenável", afirmou Amorim, completando com a ressalva de que algumas circunstâncias específicas podem relativizar esse conceito.

"Mas o ônus da prova fica do lado de quem cometeu a infração, que coloca em insegurança todos os Estados da região, sobretudo os menores. Não há uma negativa de que houve essa invasão. Há discrepâncias em relação às circunstâncias", observou o ministro, uma hora após receber a notícia de que Quito havia rompido relações diplomáticas com Bogotá. Em seguida, ele sugeriu à Colômbia "um pedido de desculpas não tão condicionado e ao mesmo tempo a garantia de que isso não se repita". "Se um vizinho entra na sua casa, a primeira coisa que ele faz é pedir desculpas. A segunda coisa é explicar por que fez aquilo."

Pressionado diversas vezes a dar sua opinião a respeito das ameaças feitas por Chávez de enviar caças russos Sukhoi à Colômbia, o chanceler brasileiro tentou insistentemente desviar o foco, apontando que "as coisas têm que ser tratadas com uma ordem lógica". Amorim até admitiu que as interferências de Chávez em assuntos de outros países devem ser tratada pela diplomacia brasileira, mas apresentou o seguinte raciocínio: as relações entre Venezuela e Colômbia já estavam deterioradas, e agora há uma crise nova e mais acentuada entre Colômbia e Equador. Portanto, é hora de agir na crise mais emergencial, para evitar o aumento da tensão. A única crítica esboçada por Amorim, indireta e sem que tivesse sido repetida, foi dizer que uma "reparação adicional", pela Colômbia, permitiria "circunscrever o tema no espectro bilateral" - referência a Chávez.

A delicadeza da situação mobilizou o governo desde a manhã, quando Amorim foi convocado para a reunião semanal de coordenação política no Palácio do Planalto. A avaliação feita pela cúpula do governo foi de que, apesar de uma atuação firme, o Brasil deve agir nos bastidores, em um primeiro momento, para não tornar-se mais um foco de tensão.

O governo quer colocar em prática a capacidade de mobilização diplomática na crise, sem apostar em uma escalada militar. "Eu não acho que seja provável haver um conflito armado", afirmou Amorim. Embora tenha participado de reuniões no Palácio do Planalto, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, também remeteu o assunto à diplomacia, e seus assessores informaram que o problema não estava com os militares.

O chanceler ressaltou que considera "muitíssimo remota" a possibilidade de participação brasileira e disse desconhecer qualquer contato de Lula com os militares para reforço das tropas na Amazônia, nas áreas de fronteira com a Colômbia e com a Venezuela.

(Colaborou Paulo de Tarso Lyra).