Título: O arranjo institucional do regime de metas de inflação importa?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Opinião, p. A22

O sistema de metas de inflação tem guiado as ações de política monetária no Brasil desde 1999. Muitos analistas apontam como a principal vantagem das metas a sua imposição ao Banco Central de uma disciplina e estrutura conceitual de reputação e comprometimento, que é típico das regras monetárias, mas sem eliminar toda a sua flexibilidade de atuação. Não há ainda consenso a respeito de se a adoção de metas é fundamental para a redução das taxas de inflação verificada nos países que a adotaram.

No momento em que o regime de metas de inflação é adotado, a autoridade monetária pode escolher a forma institucional pela qual o regime irá operar: se amparado em índices de inflação de núcleo ou inflação cheia, se utilizando um ponto numérico para a meta ou bandas de intervalo de diversas amplitudes, se anunciando um horizonte temporal de um ano ou um prazo maior pelo qual se espera que a inflação tenha convergência à meta estabelecida etc. Cada uma das escolhas pode dar ao regime um caráter institucional monetário específico: ele pode ser mais "apertado", estruturado com forte ênfase ao sucesso das metas estabelecidas em detrimento a qualquer custo de operacionalização dessa convergência; ou pode ser mais "flexível", situação onde o arranjo do sistema de metas se faz levando em consideração os custos e o horizonte temporal exigido para o cumprimento das metas. Estes pólos - regime apertado ou flexível - estão fortemente associados a, de um lado, a credibilidade, que é fundamental para os regimes de metas rígidos ou em consolidação; e, do outro, a preocupação com a extrema volatilidade de juros, câmbio e produto associados a um regime de metas apertado. Se o regime de metas pode ter diversas facetas quanto ao seu arranjo institucional, uma questão importante a ser considerada é a seguinte: quais são os resultados destas diferenças em termos de estabilização e crescimento do produto, além do controle inflacionário?

Para testar a relação entre flexibilidade institucional do regime de metas de inflação e desempenho de crescimento dos países, os autores construíram um painel dinâmico para 23 países que adotaram oficialmente o regime, no período de 1991 a 2004. Foi testada estatisticamente a relação de três itens com a o desempenho de crescimento do PIB: I) a adoção de inflação de núcleo; II) a instituição de arranjos com horizonte de um ano como período de convergência (o menor período dos regimes de metas); e III) a experiência de desvio da meta corrente à meta estabelecida. Esses itens foram escolhidos porque parte do espaço que os bancos centrais têm para desenhar seu regime de metas de inflação como "apertado" ou "flexível" pode, de maneira muito simplificada, se resumir na forma com que escolhem formatar os dois primeiros itens. Quanto ao item (III), uma perda da meta pode indicar que o regime de metas opera de forma excessivamente rígida e ambiciosa com relação ao comportamento da inflação, servindo como aproximação do grau de flexibilidade do regime.

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Os resultados estatísticos sugerem que a maior credibilidade do uso de índices cheios supera a menor volatilidade da adoção de inflação de núcleo, com relação ao desempenho do produto. O principal argumento contra o uso de inflação de núcleo é que o índice é menos representativo do poder de compra do dinheiro. Assim, há motivação para questionar a "acuracidade" de uma política monetária que não é guiada por um índice de preços de cobertura ampla. A perda de credibilidade decorrente pode fazer com que a autoridade monetária tenha maior dificuldade em conduzir as expectativas inflacionárias, precisando então utilizar-se de forma mais efetiva dos instrumentos de contração da inflação que prejudicam o crescimento.

Para o item "Horizonte de um Ano", os resultados mostram que a adoção de um termo tão curto para a convergência à meta prejudica o crescimento econômico. O item "Desvio da Meta" aparece igualmente como ponto negativo para o crescimento. A perda da meta é um sinal negativo de credibilidade da política monetária; sua ocorrência pode fazer com que os bancos centrais, na sua seqüência, instrumentalizem em resposta políticas de correção drásticas, que são nocivas ao crescimento. Cabe notar que um horizonte de convergência curto potencializa a possibilidade de o banco central não atingir a meta, podendo ser um dos canais pelo qual o horizonte de prazo pequeno de convergência seja um fator negativo para o crescimento.

É sabido que o Brasil adotou uma política de metas de inflação das mais austeras, em parte devido à busca de credibilidade por parte da autoridade monetária no momento turbulento em que se deu sua adoção. Mas a rigidez institucional do regime, entre outros fatos, fez o BC perder as metas em vários anos. Em 2003, o horizonte de convergência da meta foi ampliado de um ano para dois, sinal de que a estrutura institucional rígida da política monetária dificultava a absorção de choques adversos sobre a economia. Exemplos são dados pelas correções das metas: com o início do governo Lula em 2003, a meta foi mudada de 4% para 8,5% e, em 2004, de 3,75% para 5,5%. Além disso, os intervalos de tolerância foram alterados de 2% para 2,5%. Em 2005 e 2006, a taxa de inflação experimentou queda e as metas foram atingidas: no fim de 2006, a taxa de inflação se encontrava em torno de 3% ao ano. Embora visto por muitos como o sucesso do regime de metas, o nível dos preços foi também influenciado por substancial apreciação da taxa de câmbio, ao passo que o resultado, em termos de produto, foi o apenas razoável 3,14% de crescimento do PIB (num contexto de aquecimento da economia internacional). Ou seja: o rígido regime de metas do Brasil vê na eterna construção de credibilidade argumento para políticas que deprimem as possibilidades de crescimento. Os passos ainda pequenos em direção à flexibilização do regime de metas surgem apenas como resposta a períodos de dificuldade de atingir a meta, quando na verdade essa dificuldade é ampliada pelo próprio arcabouço rígido que as autoridades monetárias no Brasil instituíram quando da criação do regime em consideração.

José Luis Oreiro é professor adjunto do Departamento de Economia da UFPR e pesquisador do CNPq. E-mail: joreiro@ufpr.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.ecn.br.

Marcos Rocha é doutorando em Economia pela FGV-SP. Email: sir.mrocha@gmail.com.

Rogério Sobreira é professor adjunto da EBAPE/FGV-RJ. E-mail: sobreira@fgv.br.