Título: Refis: exclusões e a dispensa de notificação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Passados quase oito anos da instituição do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), que visava o parcelamento dos créditos da União em razão de débitos com a Receita Federal e o INSS, no qual centenas de milhares de empresas aderiram, restam hoje, ativos, por volta de 20% dos aderentes iniciais, reduzidos paulatinamente por uma torrente de portarias que diariamente são editadas para fins de exclusão. Não será motivo de grande arrependimento para o Estado brasileiro?

Diante disso surgem os questionamentos: o Refis vale a pena? Atinge seus objetivos de arrecadar e aliviar o fardo dos tributos não pagos pelas empresas?

Não há dúvida de que o Refis é vantajoso para as empresas. Parcelar débitos por prazo indeterminado, atrelado ao faturamento, sujeito a juros da TJLP (mais módicos do que a Selic), possibilitar a obtenção de certidões positivas com efeito negativo, ter acesso a crédito em instituições financeiras oficiais e contratar com o poder público representam imenso benefício, comumente a redenção de empresas que, sem parcelamento a longo prazo e pagável - posto que as parcelas oscilam de acordo com o faturamento - há muito teriam encerrado as atividades, talvez até desaguado na bancarrota.

Importante salientar que no Refis foi possível a inclusão de débitos oriundos de retenções não repassadas aos entes públicos, o que constitui crime previsto nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137, de 1990, cuja pretensão punitiva do Estado fica suspensa enquanto a empresa permanecer no Refis. Tal benevolência não mais se repetiu nos outros parcelamentos - Paes ou Paex -, sendo, possivelmente, a maior vantagem do Refis, notadamente em face das conseqüências diretas nas vidas dos sócios e/ou responsáveis tributários que se viram, de um instante para o outro, aliviados com a suspensão do risco de uma condenação criminal.

Para as empresas a suspensão de execuções fiscais merece destaque. À época da criação do Refis a garantia das dívidas recaía, precipuamente, sobre bens outros que não dinheiro, sendo que a penhora em conta corrente ou aplicações financeiras ganhou força com as recentes alterações no Código de Processo Civil, figurando como prioridade nos requerimentos fazendários nos processos de execução. Esse aspecto é muito importante, pois, suspender execuções e impedir reforço de penhora, que certamente visará dinheiro, permite que fluxo de caixa e capital de giro permaneçam íntegros.

A contratação com o poder público, a obtenção de certidões positivas com efeito negativo e a participação em licitações consistem em outros benefícios que não podem ser esquecidos, já que a contratação com o Estado ou estatais que demandam produtos e serviços são fonte constante de divisas para as empresas.

-------------------------------------------------------------------------------- O Refis é disciplinado por lei própria. Os preceitos constitucionais, porém, não podem ser marginalizados --------------------------------------------------------------------------------

É inquestionável, portanto, que permanecer no programa Refis é muito vantajoso.

Para o Estado-credor a situação, que à primeira vista é ruim, posto que aquilo que deveria ter recebido à vista e não raro há muitos anos, somente será adimplido em longo tempo, o Refis, se visto por outra vertente, representa o único meio de receber seus créditos velhos e em dinheiro. Se continuarem adimplentes, as empresas não somente irrigam o Erário com as parcelas como também com os tributos correntes, cuja adimplência rígida é condição legal para a permanência no Refis. O que era para ser pago mediante o produto de alienação em hasta pública, que raríssimas vezes atinge o valor da dívida, requerendo novas penhoras sobre bens de duvidoso valor, pouca prestabilidade e baixa liqüidez, sê-lo-á em parcelas mensais e em dinheiro, ainda que em montante irrisório em muitos casos. Para o Poder Judiciário significa menos ações de execução ou a suspensão de milhões delas que abarrotam os fóruns de todo o País, a maior parte com resultados pífios para a arrecadação do Erário.

Ou seja, para o Estado é igualmente muito benéfico.

As numerosas exclusões do Refis advém de causas variadas (mas expressamente dispostas na Lei nº 9.964, de 2000), destacando-se a inadimplência de tributos correntes ou das próprias prestações do parcelamento, não raro ambas. Entretanto, os excluídos, via de regra, não são notificados da existência de processos administrativos instaurados com vistas à exclusão, dela tomando ciência somente após a publicação no Diário Oficial da União. Não são instados a dar explicações sobre as causas ensejadoras da rescisão do parcelamento e muito menos sanar as irregularidades, se de fato existentes. A dispensa da notificação é justificada pelos procedimentos do Refis caracterizarem-se pela ausência de atos escritos e feitos sob modo virtual, além de que o participante do Refis é senhor de seus atos, sabendo melhor e antes de qualquer autoridade fiscal, de suas pendências com o fisco.

No entanto, temos de lembrar que a Constituição assegura a todos o direito à informação, à ampla defesa e ao contraditório, sendo também resguardados tais direitos inalienáveis em normas infraconstitucionais como a que regulamente o processo administrativo, a Lei nº 9.784, de 1999. Mesmo que o Refis seja disciplinado por lei própria, os preceitos constitucionais não podem ser marginalizados sob pena da lei maior ficar à sombra de leis ordinárias, o que não é admitido pelo nosso ordenamento legal.

O Poder Judiciário tem decidido em contraponto ao "modus operandi" da exclusão, mas, perigosamente para as empresas afastadas do parcelamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem respaldado a posição fazendária em julgamentos de recursos especiais.

Em face destas considerações, ainda que posições contrárias ao retorno das empresas excluídas do Refis ganhem corpo no seio do Judiciário, é importante lembrar que não há matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça ou por algum Tribunal Regional Federal, de sorte que o enfrentamento da exclusão através de medidas judiciais cabíveis, revela-se a única, senão a última esperança de milhares de empresas de retomarem o curso de suas atividades empresariais, pagando aquilo de devem sob forma que se mostra razoável e possível.

Alessandro Alberto da Silva é advogado do Motta Advogados Associados

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