Título: Ataque à lavagem de dinheiro sofre com a burocracia
Autor: Rodrigues, Azelma
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2008, Finanças, p. C10

O excesso de burocracia e a existência de "uma superposição de órgãos públicos fazendo a mesma coisa" dificultam uma maior eficácia das ações de combate à lavagem de dinheiro no país, reclamou, ontem, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. A lista de setores obrigados a informar o governo sobre operações suspeitas será ampliada, anunciou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado.

Souza e Machado participaram das comemorações dos 10 anos de criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência subordinado ao Ministério da Fazenda, que, nesse período, recebeu 831,37 mil denúncias, abriu 5.433 casos para análises só nos últimos cinco anos, contra 39.185 pessoas, e bloqueou R$ 62,3 milhões em contas correntes e previdências privadas de suspeitos.

Segundo o procurador-geral da República, há muito o que comemorar, mas também muito o que avançar. "Essa criminalidade não conhece fronteiras, é inteligente, organizada e sempre procurando estar à frente da atuação do Estado", citou. Ele afirmou que ainda existem algumas travas para o aperfeiçoamento do combate à corrupção e lavagem de dinheiro no país, pois existem "órgãos estatais que perdem tempo com divergências e competições", criticou.

Souza não foi específico e nem quis citar nomes, mas continuou suas críticas ao deixar o evento, afirmando que "há dificuldades e as informações não têm a rapidez que seria de se esperar". Questionado se haveria alguma saída legal para melhorar esse trâmite, o procurador disse que não há como obrigar, mas insistiu que "é preciso desburocratizar essas relações, estimular uma cooperação informal mais intensa para que o Brasil fale uma linguagem única, tenha um só discurso" nesse campo.

Também Nelson Machado fez críticas, mas ao setor privado. "Proteger a economia do crime organizado é um tema comum ao campo criminal, mas também na área econômica precisa ser um tema de alerta para todas as empresas", afirmou. "Diversos setores da economia ainda se mostram alheios aos esforços do aparato estatal no combate à lavagem de dinheiro, por isso, novos setores poderão ser obrigados, por lei, a participar da rede", disse o secretário.

Ele não adiantou quais serão esses setores, mas no relatório anual de atividades o Coaf cita que empresas de joalheria e aquelas que comercializam obras de arte e antiguidades ainda fazem repasse "inexpressivo" de informações suspeitas. Também há preocupação do Coaf quanto a 490 emissoras de cartões de crédito e de credenciamento ligadas ao comércio e à indústria, sem vinculação com instituições financeiras. Os cartões pré-pagos de telefonia estão entre os focos do órgão, em 2008.

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, disse que o aparelhamento do Coaf faz com que o órgão se destaque "por um trabalho não de investigação, mas de inteligência financeira", citando o uso da autoridade do BC sobre os bancos para a exigir o fornecimento das informações exigidas.

A distorção no papel do Coaf foi enfatizada por seu presidente Antonio Gustavo Rodrigues. "Uma das dificuldades do Coaf é o desconhecimento de sua função, que não é a de investigar, mas processar as informações e identificar" onde há crime de lavagem de ativos, afirmou.

Também presente ao evento, o ministro da Justiça, Tarso Genro, elogiou a articulação e o esforço dos órgãos do governo para fazer frente "à alta sofisticação" do crime organizado. Ele citou projeto de lei em tramitação no Senado que suprime o crime antecedente e permitirá a alienação antecipada do bem ou recursos de suspeitos de lavagem de dinheiro, e não no fim do processo como é hoje.

Representando o sistema bancário, principal informante do Coaf, Gabriel Jorge Ferreira, diretor da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNIF), disse que o projeto de lei citado por Genro "pode trazer um complicador, porque todos os tipos de crimes poderão ser passíveis de suspeição." Ele defendeu a adoção de regras internacionais de contabilidade por empresas de pequeno porte, para melhorar a transparência "e evitar recursos paralelos, o caixa 2." Também queixou-se da "extrema facilidade" com que se falsifica documentos no Brasil.

Entre os dados do relatório do Coaf, está a identificação de movimentação financeira da ordem de R$ 63 milhões pelo crime organizado em São Paulo, no período de novembro de 2005 a julho de 2007, por meio de 686 contas, sendo que 20% foram transações acima de R$ 100 mil. Cerca de 2,6 mil pessoas foram relacionadas ao esquema, sendo que 748 foram citadas em relatórios do Coaf e 252 continuam sob avaliação.