Título: Com restos a pagar, União investe 15% mais no bimestre
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2008, Brasil, p. A3

A União gastou R$ 1,936 bilhão com investimentos no primeiro bimestre neste ano, 15% a mais do que no mesmo período do ano passado, já descontada a inflação. Os números confirmam a trajetória ascendente do investimento iniciada em 2004, que se acentuou em 2006. O total investido em janeiro e fevereiro deste ano supera o R$ 1,538 bilhão registrado em 2002, o último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, um ano eleitoral.

Nada menos que 99,9% dos recursos investidos neste ano referem-se ao pagamento de valores inscritos como "restos a pagar", um dinheiro que sobrou de exercícios fiscais anteriores, relacionados em geral a obras em andamento. Como o Orçamento de 2008 ainda não foi aprovado, o governo tem que se valer dos recursos reservados no fim de 2007 para continuar a investir neste ano. Os números são da Associação Contas Abertas, elaborados a partir de informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Foram atualizados pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) de janeiro deste ano - o de fevereiro ainda não foi divulgado.

O consultor de economia da Contas Abertas, Gil Castello Branco, diz que o aumento do investimento, que atingiu o nível recorde desde 2001, é bastante positivo para a economia. "O investimento público tem um efeito favorável sobre o do setor privado", afirma ele, para quem os gastos mais elevados também devem se relacionar a obras ligadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), concentradas na área de infra-estrutura. De 2007 para 2008, o governo inscreveu cerca de R$ 12 bilhões de recursos do PAC como "restos a pagar", nota ele. Ainda faltam R$ 28,6 bilhões de "restos a pagar" não gastos, segundo números da Contas Abertas.

Castello Branco elogia a alta do investimento ocorrida neste e nos últimos anos, mas vê com reservas o fato de o grosso das despesas serem feitas com recursos reservados de exercícios fiscais anteriores. "Um dos princípios importantes da execução orçamentária é o da anualidade. O ideal é que haja gastos mais lineares, bem escalonados" diz ele, lembrando, porém, que essa prática não ocorreu apenas neste ano, e não é exclusividade do atual governo. Segundo Castello Branco, o Tribunal de Contas da União recomenda há muito tempo que haja uma redução dos "restos a pagar". No entanto, num ano em que ainda não há orçamento aprovado, essa é a opção que sobra para o governo continuar a investir.

O Ministério dos Transportes, como de costume, foi o que mais investiu no primeiro bimestre, com despesas de R$ 486 milhões. "Grande parte é gasta em estradas, devido à extensão da malha rodoviária do país", diz ele. O Ministério da Educação aparece em segundo lugar, com R$ 304 milhões, seguido pelo da Defesa,

com R$ 236 milhões. É nessa pasta que se concentram as despesas com a infra-estrutura dos aeroportos. Com importância estratégica no PAC, por sua atuação nas áreas de saneamento e habitação, o Ministério das Cidades surge em quarto lugar, com gastos de R$ 228 milhões.

O analista Denis Blum, da Tendências Consultoria Integrada, também vê com bons olhos a expansão do investimento no primeiro bimestre. "São os gastos mais produtivos", diz ele. Para Blum, a União deve investir mais neste ano do que em 2007, mas o ritmo de expansão pode ser um pouco comprometido pelo fato de o Orçamento não ter sido ainda aprovado e o governo não contar mais com a receita da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). No entanto, o aumento real de 20% da arrecadação federal em janeiro em relação ao mesmo mês do ano anterior foi um sinal de que não será necessário manter a rédea curta sobre o investimento, a principal variável de ajuste das contas públicas, já que as outras despesas são em em sua maior parte obrigatórias.

Números do Tesouro mostram que, em 2007, o governo federal investiu R$ 22,108 bilhões. Desse total, R$ 11,074 bilhões se referem a recursos de exercícios fiscais anteriores.