Título: Planalto intervém e PT aceita CPI sob presidência tucana
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2008, Política, p. A12

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista que vai investigar o uso dos cartões corporativos na administração pública federal nem foi instalada mas já está em curso, nos bastidores, uma guerra de requerimentos entre aliados dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. O senador Marconi Perillo (PSDB-GO) prepara um pacote de 50 requerimentos, pedindo a quebra do sigilo de gastos emergenciais da Presidência da República e convocando autoridades a depor.

Pela ala governista, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) define hoje os requerimentos que apresentará à CPI, mas já está claro que o alvo principal será o governo FHC. Ele pretende pedir informações ao Executivo sobre os gastos com as contas bancárias "tipo B" desde a criação do cartão corporativo, ou seja, na gestão FHC. "Naquela época era um descontrole", afirma o petista.

Por interferência do Palácio do Planalto, a bancada do PT da Câmara dos Deputados foi forçada a aceitar um tucano na presidência da CPI mista que vai investigar o uso dos cartões - criados no governo FHC para pagamento de despesas emergenciais - por ministros e servidores do governo federal.

Depois de semanas de queda-de-braço, estão confirmados a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) como presidente e o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) como relator da CPI, que pode ser instalada amanhã. Os dois divergem sobre o início dos trabalhos. Para Marisa, a investigação deve começar pelos casos de abuso na utilização de cartões por ministros e servidores do governo Lula, que motivaram a criação da CPI.

Já o futuro relator manifestou a intenção de iniciar a apuração pela modalidade de gasto emergencial existente no governo FHC - as contas bancárias "tipo B" -, quando foi baixado o decreto criando o cartão corporativo. No caso das contas "tipo B", é aberta uma conta bancária em nome do servidor, que pode sacar ou emitir cheque. A prestação de contas limita-se à entrega de notas fiscais.

Até hoje, existem contas "tipo B", convivendo com o uso dos cartões. Exceto os gastos protegidos por sigilo, como os da Presidência da República e dos órgãos de segurança, os demais estão divulgados no site do portal da transparência, da Controladoria Geral da União (CGU).

A disputa entre petistas e tucanos pela aprovação dos requerimentos será no voto. O governo leva vantagem, já que ocupará cerca de dois terços dos 24 integrantes da Comissão. Para o senador Marconi Perillo, os tucanos não têm preocupação com a investigação da gestão de FHC. "O governo atual tem acesso às informações. Se ele tivesse algum indício de gasto suspeito, teria vazado", afirma.

O entendimento que deu à oposição o direito de presidir a CPI foi feito pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). O PT, que havia optado pela relatoria e indicado para o cargo o deputado Luiz Sérgio (PT-SP), reagiu. Passou a exigir a presidência, para ter mais controle sobre a investigação. Alegou que a opção anterior, pela relatoria, foi feita em cenário diferente, no qual o PMDB do Senado indicaria o presidente. Seria um comando duplo do governo.

Mas a oposição do Senado, que é forte, ameaçou criar uma CPI exclusiva da Casa, se não ocupasse um dos dois postos. Ameaçou, também, obstruir votações. Jucá fez o entendimento, para reduzir as tensões no Senado e possibilitar clima de discussão e votação de propostas de interesse do governo, inclusive da reforma tributária. Mas teve outro ingrediente: o PMDB entendeu por bem abandonar o campo de uma guerra que não é sua. A investigação será um cabo-de-guerra entre PT e PSDB.

Jucá conseguiu aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem, no gabinete do ministro José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) - que não pôde participar porque estava fora de Brasília -, Jucá se reuniu com o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), e com o líder do PT naquela Casa, Maurício Rands (PE).

O líder petista foi forçado a aceitar o acordo. Jucá e Fontana deixaram claro tratar-se de uma "determinação" do governo. O líder aceitou. "Não queria que a bancada fosse acusada de intransigente e de atrasar a instalação da CPI", disse Rands.

A bancada, por outro lado, quis apenas dar uma demonstração de afirmação política, por estar sendo preterida na interlocução política com o governo. Deu o seu recado. Se mais à frente a investigação comprometer o governo, dirá que avisou o Planalto. Mas uma CPI com comando dividido entre petistas e tucanos parece fadada a uma investigação morna.