Título: Militares consideram guerra improvável
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2008, Internacional, p. A13

A cúpula das Forças Armadas brasileiras acompanha de perto os desdobramentos da crise na América do Sul e, apesar de considerar improvável a eclosão de uma guerra, acredita que um eventual confronto entre Colômbia e Equador poderá "respingar" em território nacional, conforme ouviu o Valor de um oficial com função de comando em Brasília. De imediato, no cenário de uma escalada militar, a primeira atitude será reforçar o aparato de segurança na extensa área de fronteira da Amazônia.

O Brasil tem cerca de 11,5 mil quilômetros de fronteira na região amazônica, que é vigiada por 28 unidades militares - 23 pelotões, três destacamentos e duas companhias. O problema, disse esse alto oficial, é que algumas posições estão distantes de 300 a 400 quilômetros umas das outras, em área de selva densa.

A maior preocupação, se houver guerra, não é com ataques ao Brasil - a participação do país em um conflito é praticamente descartada -, mas com a massa de guerrilheiros colombianos e até de refugiados civis que pode entrar em território brasileiro.

Por isso, há pelo menos três equipes militares de elite com condições de chegar à Amazônia em menos de 24 horas depois de seu acionamento: a brigada de infantaria de paraquedistas (localizada no Rio de Janeiro), a brigada de operações especiais (Goiânia) e a brigada aeromóvel (Caçapava, no interior de São Paulo). Essas tropas são treinadas todos os anos, em exercícios militares, para situações de emergência e até de confronto direto.

O reforço da presença militar na Amazônia teria dois objetivos prioritários, segundo esse alto oficial. O primeiro é pressionar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e deixar claro que elas serão "violentamente" repreendidas se passarem para o lado de cá da fronteira. O segundo objetivo é monitorar com cuidado a migração de civis que se sintam ameaçados, pois "a tendência é a população correr". Nesse caso, o Exército montaria postos de controle, de triagem, de vacinação e de abastecimento alimentar. É quase uma "missão de paz", diz a fonte.

Oficialmente, as Forças Armadas têm recusado pedidos de entrevistas sobre a crise atual. Consideram que divulgar qualquer estratégia de mobilização de tropas pode agravar o ambiente de tensão na região. O governo brasileiro continua apostando tudo em uma solução diplomática, mas isso não tem impedido os militares de traçar diversos cenários e frisar, reservadamente, que têm condições de instalar rapidamente um "gabinete de crise", bem como de enviar tropas às fronteiras na Amazônia.

A cúpula militar garante que as Farc não entram em território brasileiro desde os anos 90. Ao mesmo tempo, está convicta de que guerrilheiros têm feito do município de São Gabriel da Cachoeira (AM) um ponto de apoio logístico, mas se deslocam até lá como civis. Nesse caso, não há ilegalidade e nada se pode fazer para repreendê-los.

Os integrantes das Farc usariam ainda a cidade amazonense para comprar alimentos, remédios e equipamentos como telefones celulares. Em troca, suspeitam as Forças Armadas, fariam pagamentos em drogas, transformando os comerciantes locais em pequenos traficantes de drogas, especialmente cocaína.

Essa situação é monitorada, além das Forças Armadas, também pela Polícia Federal. Haveria indicações ainda de que guerrilheiros buscam hospitais militares, que são conveniados ao SUS, em São Gabriel da Cachoeira e em Tabatinga (AM) para tratamentos médicos - algumas vezes devido a ferimentos causados por prováveis combates. Mais uma vez, porém, eles se apresentam como civis e não há brechas legais para prendê-los no Brasil.