Título: Fim da lua-de-mel
Autor: Cotias , Adriana ; Graziella Valenti
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2008, EU & Investimento, p. D1

A fuga do capital estrangeiro para ativos mais seguros, após uma febre de ofertas públicas iniciais (IPO, em inglês), produziu uma lista de empresas recém-chegadas à Bovespa que estão largadas no pregão, com baixíssimos índices de negócios. O caso Renar Maçãs, que nos últimos anos era citado como um exemplo isolado, ganhou um rol nada desprezível de estreantes com pouca liquidez. Das 103 companhias que chegaram ao pregão de 2004 para cá, mais da metade movimenta menos de R$ 3 milhões ao dia. Quinze delas giram menos de R$ 1 milhão, a maioria no Novo Mercado. Ao se confrontar com a barreira da liquidez, o investidor pode mostrar menor disposição para acatar novas ofertas de empresas ainda pouco conhecidas. Já para quem ficou com o papel, o melhor a fazer é avaliar se o investimento vale no longo prazo.

Mesmo companhias que fizeram aberturas de capital com volumes consideráveis - e com fatias para o varejo - padecem da falta de liquidez, como a Amil, que captou R$ 1,401 bilhão, o frigorífico Marfrig, com R$ 1,02 bilhão, o BicBanco (R$ 822 milhões) ou o grupo segurador SulAmérica (R$ 775 milhões).

Essas empresas e outras 44 ficaram fora do índice de ofertas públicas iniciais (IPO, em inglês), recém-criado pelos economistas Bernardo Fonseca Nunes e Maria Fernanda Santin, da metalúrgica gaúcha Zamprogna, um dos investimentos do fundo de "private equity" NSG Capital. Entre os lançamentos realizados desde 2004, eles filtraram 50 companhias ponderando, entre aquelas que integravam algum dos níveis de governança corporativa da bolsa, quais tinham os maiores índices de negociabilidade (considerando o número de negócios e os volumes financeiros) ao longo de 2007 e em dezembro passado.

Antes dos capítulos mais controversos da crise do "subprime", a farta liquidez internacional permitia que qualquer IPO fosse concretizado com algum sucesso na Bovespa. Não importava o tamanho nem o faturamento do emissor, havia apetite de sobra para absorver os novos papéis. Só em 2007, o estrangeiro levou, em média, 75,4% das ações vendidas. O colapso das hipotecas de alto risco veio, fez seus estragos e solapou os resultados do setor financeiro nos EUA e Europa. Após a lua-de-mel, nesse ambiente de futuro ainda duvidoso, passou a prevalecer o chamado "flight do quality", para alternativas de investimentos de menor risco.

"No ano passado, os estrangeiros compraram o mercado e não as empresas em si, mas, quando os temores de recessão nos EUA começaram a ecoar, eles deram preferência para companhias com um histórico de resultados públicos mais longo, o que prejudicou as 'small caps' (de baixa capitalização) em geral", diz Nunes. "Algumas das novatas nem tiveram tempo de ganhar liquidez e foram atropeladas pela crise." Ter um capital razoável em circulação, boa dispersão acionária e cobertura ampla das casas de análise são fatores determinantes da liquidez.

A Amil, por exemplo, colocou apenas 25% de seu capital em circulação, quando fez o lançamento em outubro. No mesmo período, a SulAmérica distribuiu 35% entre ações ordinárias (ON, com voto) e preferenciais (PN, sem voto) por meio da venda de units, enquanto o BicBanco, até pelas restrições da regulamentação local, tem hoje 52,7% exclusivamente em PNs.

O problema da liquidez pode ter origem em diversas questões, desde o modo como a companhia se relaciona com o mercado até o preço das ações. "Às vezes, o papel está caro e ninguém quer comprar ou, ao contrário, muito barato e ninguém quer vender", diz o diretor da área Renda Variável da HSBC Investments, Eduardo Favrin. Para ele, ter uma gama de companhias de baixa liquidez (e capitalização) na bolsa faz parte do jogo e existe público para esses ativos. O mercado tem se sofisticado e já conta com fundos de investimentos com flexibilidade para ter ações menos negociadas na carteira. São portfólios ativos que não têm o compromisso de acompanhar de perto o desempenho do Ibovespa.

Muitas das ofertas realizadas em 2007 estavam originalmente programadas para listagem no Bovespa Mais, segmento da bolsa dedicado a empresas e operações menores, inaugurado no mês passado pela Nutriplant. Mas o bom momento do mercado levou-as, sem escala, diretamente para o Novo Mercado. Bematech e Company são dois desses exemplos. A empresa de automação comercial apresenta índices razoáveis de negociação e integra o índice de IPO. Já a construtora, que fez uma oferta de menos de R$ 300 milhões em março de 2006, está no rol das ações encostadas - embora com uma valorização de 87,7%.

O desafio da liquidez se reflete no grande uso do formador de mercado, mas a figura do agente que mantém ofertas de compra e venda para os papéis nem sempre resolve o problema. A JHSF Participações, que estreou em abril de 2007, com um certo porte - valia mais de R$ 3 bilhões -, não ganhou giro mesmo com o "market maker" e movimenta menos de R$ 1 milhão. Ter tamanho suficiente para ir a mercado, pertencer a um segmento atrativo e ser negociada por todos os participantes são condicionantes para que uma ação tenha boa movimentação na bolsa, diz o chefe da área de Renda Variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira. Das que debutaram no Novo Mercado desde 2004, só quatro movimentam mais de R$ 50 milhões: Bovespa HLD, BM&F S/A, Redecard e B2W (fusão entre Americanas.com e Submarino).

Para Sá Pereira, a política de distribuição dos bancos coordenadores nas ofertas, que privilegiou o capital externo, acabou fazendo com que a porta de saída ficasse estreita demais quando veio a reversão, derrubando preços e comprometendo a liquidez. O fato de muitas das novatas pertencerem a setores pouco conhecidos também tirou o brilho daquelas promessas de crescimento acelerado quando a crise veio. "Aumentou o risco de sistema e o investidor passou a atribuir mais prêmio por liquidez, até porque papéis de primeira linha ficaram com preços atrativos."