Título: Trigo importado deve custar US$ 1,2 bi a mais
Autor: Scaramuzzo , Mônica ; Cruz , Patrick
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2008, Agronegócio, p. A14

Um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo, o Brasil está no topo da lista dos maiores importadores globais de trigo. Altamente dependente do cereal, principalmente o da Argentina, o país, que produz menos de 50% de suas necessidades, deve se manter como o maior comprador de trigo pela segunda safra consecutiva, tirando o posto ocupado nos últimos anos pelo Egito.

Ocupar o primeiro lugar no ranking de maior importador não é uma notícia boa para qualquer país, mas no caso do trigo piora ainda mais, considerando que os preços do cereal estão registrando fortes valorizações nos últimos meses por conta de um cenário de oferta apertada no mercado internacional. Neste ano, as cotações do trigo na bolsa de Kansas (onde é negociado o cereal de melhor qualidade) acumulam alta de 26%. Em 12 meses, aumento de 125%. Os moinhos do país já sinalizam com reajustes, que terão reflexos nos pães, massas e biscoitos.

Calculados na ponta do lápis, as despesas com importação de trigo vão crescer expressivamente. Levantamento feito pelo Valor mostra que as despesas com importação brasileira de trigo podem atingir US$ 2,6 bilhões em 2008 (considerando um preço médio de US$ 420 por tonelada), um aumento de 86% sobre igual período do ano passado, de US$ 1,392 bilhão, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Em volume, contudo, as importações devem cair 9%, levando-se em conta que os produtores deverão aumentar o plantio neste ano. A expectativa é de que o Brasil importe 7,2 milhões de toneladas, incluindo as farinhas e pré-misturas, segundo estimativas da consultoria Safras&Mercado e empresários do setor. No mês de janeiro, as importações cresceram 111,9%, para US$ 250 milhões, e 34% em volume, para 859 mil toneladas. Dados preliminares da Secex indicam que as despesas com importações de cereais e produtos de moagem subiram 149,4%.

O cenário mais apertado para o trigo ocorre há duas safras. Importantes países produtores, como a Austrália, e europeus tiveram problemas climáticos na safra 2006/07. Por conta disso, os estoques mundiais já são os menores dos últimos 40 anos, e estão abaixo de 110 milhões de toneladas. A produção global deverá crescer 7%, para 646 milhões de toneladas, segundo o Conselho Internacional dos Grãos. "O aumento da produção ajuda a evitar ainda mais a queda dos estoques globais", afirma Élcio Bento, pesquisador de trigo da Safras&Mercado.

Fortemente dependente das importações, o Brasil deverá colher uma safra entre 4,5 milhões e 5 milhões de toneladas, caso não haja problemas climáticos, afirma Bento. Se confirmadas as estimativas, será um crescimento médio de 22% em comparação com a safra passada, que ficou em 3,9 milhões de toneladas. O consumo nacional é de cerca de 10 milhões de toneladas. "A decisão de plantio de trigo ocorre agora, mas os produtores estão divididos entre apostar no cereal ou no milho safrinha", diz.

Concentrada no Sul do país, sobretudo no Paraná, a produção de trigo até tenta avançar, sem muito sucesso, em territórios do Centro-Oeste, mas o clima não colabora muito para expansão da cultura. O governo do Estado de São Paulo e moinhos já ensaiaram parcerias para incentivar a expansão do trigo no Estado, mas os programas não foram levados adiante.

Segundo Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, os moinhos estão com abastecimento de trigo garantido até pelo menos o mês de maio, com as compras antecipadas em novembro da Argentina, antes de o país fechar os registros de exportação. "Hoje está inviável importar trigo dos EUA, que está com preços altíssimos", diz.

"O consumo mundial está crescendo muito. Do nada, a Índia passou a consumir 6 milhões de toneladas", diz Walter Von Muhlen Filho, trader da Serra Morena Corretora. "Os moinhos são apenas processadores. Eles precisam repassar o aumento dos custos. Os preços têm subido agora e é provável que subam mais", afirma.

Para conter a inflação local, o governo argentino decidiu cessar no fim de novembro os registros de exportação - a reabertura está prevista para abril. Caso isso não ocorra - uma vez que a decisão tem sido postergada -, o Brasil vai ter de recorrer a trigo de outros mercados, como EUA, Canadá e Europa. A Safras&Mercado calcula que o Brasil vai importar pelo menos 1,2 milhão de tonelada de trigo desses mercados. Assim como a Argentina, Cazaquistão e Rússia também interromperam as exportações para conter os preços.

No mercado interno, a comercialização de trigo está paralisada, uma vez que os produtores estão segurando a produção e os moinhos estão razoavelmente abastecidos. No Paraná, o preço da tonelada de trigo está entre R$ 720 e R$ 730, com alta de 55% sobre o mesmo período de 2007. No Rio Grande do Sul, sai a R$ 540 a R$ 550, com aumento de 26%.

Em janeiro, a Argentina anunciou que teria uma cota de 2 milhões de toneladas para exportar. Os moinhos brasileiros "continuam confiando" nesses embarques, diz o presidente do Sindicato da Indústria do Trigo de São Paulo (Sindustrigo), Luiz Martins. Ainda assim, há ressalvas, segundo ele.

"Serão 2 milhões de toneladas, mas não é certo que todo esse volume virá para o Brasil", afirma ele. Mesmo sobre o volume prometido o dirigente tem dúvidas. Ele faz as contas: a produção da Argentina é de 15,4 milhões de toneladas e o consumo é de 6,5 milhões. Entre novembro e dezembro, nas três semanas de abertura das exportações durante a interrupção dos registros de embarques, foram exportadas 7,5 milhões de toneladas. "Sobram 1,4 milhão de toneladas. Pode haver algum estoque, mas é só lembrarmos do que ocorreu no ano passado, quando os estoques argentinos foram zerados".

Trigo com preços em alta e oferta apertada abrem espaço para matérias-primas alternativas aos moinhos. O amido de mandioca é uma delas. "As vendas têm crescido. Ainda não é um movimento muito forte, mas ele tem aumentado gradativamente", afirma Ivo Pierin Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (Abam).

Movimento semelhante ocorreu em 2002, quando a taxa de câmbio chegou a atingir R$ 4 por dólar. Naquele ano, o quilo da fécula no atacado chegou a ser a metade do quilo do trigo. "Tínhamos um excedente de 250 mil toneladas que foi vendido em quatro meses", diz Pierin. A relação entre os preços ainda não chegou aos níveis de 2002, mas a diferença tem crescido, de acordo com ele.