Título: Consumo de baixa renda ganha reforço de R$ 30 bi
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Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Brasil, p. A3

Edson Ruiz Álvaro Sant'Anna, presidente da Le Biscuit, que está expandido sua rede no Nordeste: "Qualquer aumento no salário mínimo vai direto para o varejo" A rede de varejo Le Biscuit, de Feira de Santana (BA) projeta expandir suas vendas em 40% neste ano. A empresa possui oito lojas na Bahia e uma em construção em Aracaju (SE). Em 2007, a empresa inaugurou duas lojas e espera implantar outras seis até 2010 no Nordeste. "A região cresce mais que o Brasil e qualquer aumento no salário mínimo vai direto para o varejo. O pessoal não poupa, gasta mesmo", afirma Álvaro Sant'Anna, presidente da empresa.

A rede, que comercializa produtos de armarinho, utilidades domésticas, brinquedos e papelaria, já havia crescido 43% em 2007, graças ao reajuste do salário mínimo, segundo o executivo. "Grande parcela da população é pobre e, quando ganha mais, esse a mais se reverte em consumo", afirma Sant'Anna. A Le Biscuit é uma das empresas de varejo voltadas às classes de menor rendimento que se beneficiam das políticas de renda, sobretudo no Nordeste.

Cálculos da consultoria MB Associados apontam para este ano aporte extra de R$ 30,2 bilhões na renda dos que recebem até um salário mínimo por mês (entre trabalhadores e aposentados) e mais o Bolsa Família. No total, a renda desta parcela da população irá a R$ 232 bilhões.

O aumento na renda, de 13,3%, refere-se aos reajustes no salário mínimo (que incluem a Previdência os empregados com carteira assinada) e no programa Bolsa Família. No ano passado, a renda gerada por essas fontes aumentou 12,6% em relação a 2006 e foi R$ 26 bilhões maior, alcançando R$ 204,7 bilhões. "Não esperava que as classes mais baixas teriam uma variação tão boa", afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Parte da surpresa vem do reajuste do salário mínimo, fechada neste mês em R$ 415, o que representou um aumento de 9,2%, com ganho de 4,7% acima da inflação. Havia expectativa de um reajuste menos expressivo que o de 2007, quando o salário foi reajustado em 8,76%, para R$ 380, com ganho real também próximo a 5%.

De acordo com o levantamento, o Nordeste deve registrar um incremento na renda desta parcela da população de 12,1%, para R$ 89,3 bilhões - o maior valor entre as regiões do país. O Sudeste tem o segundo maior valor, de R$ 79,7 bilhões, com aumento de 14%, seguido pelo Sul - R$ 29,9 bilhões, com variação de 13,7%. O Norte apresenta o maior crescimento, de 15,9%, para R$ 18,7 bilhões. O Centro-Oeste tem variação de 13,5%, para R$ 14,4 bilhões.

Em todas as regiões, observa Sérgio Vale, a proporção da renda gerada pelo salário-mínimo crescerá em 2008, seguindo como a principal fonte de recurso para as famílias de baixa renda. No Norte, essa participação aumentou 1,1 ponto percentual, para 69,4%. No Nordeste, o incremento foi de 0,6 ponto; no Sudeste, de 3,7; no Sul, de 3,8, e no Centro-Oeste, de 2,1 pontos percentuais.

"O Norte e o Nordeste dependem da evolução do salário mínimo e do Bolsa Família duas vezes mais que outras regiões", observa Vale. Para 2008, a estimativa é de que o programa distribuirá R$ 12 bilhões no país. Já na região Sul, os recursos da Previdência têm peso mais significativo, chegando a 41,7%, por conta do maior número de idosos. Outro fator que diferencia o Norte e o Nordeste é a maior incidência de funcionários de prefeituras com renda mensal de até 1 salário mínimo. "Dos R$ 30 bilhões de incremento, aproximadamente R$ 2 bilhões devem vir desses casos", estima Vale.

Para empresas como o grupo Deib Otoch, de Fortaleza (CE), a expansão da renda popular nessas regiões é sinônimo de crescimento para o varejo. A empresa opera com as bandeiras By Express, Otoch e Lojas Esplanada, é dona de um faturamento anual médio de R$ 400 milhões e compõe-se de 35 lojas nos Estados do Nordeste, conclui a construção de três lojas na região e planeja abrir dez unidades neste ano. "Estamos com excelentes resultados nos últimos anos. O mercado Norte-Nordeste vai muito bem, não só graças a programas sociais, mais também pela instalação de indústrias e pólos petrolíferos, o que acelerou o desenvolvimento do comércio nos Estados", avalia Ronaldo Otoch, diretor comercial da Deib Otoch.

O executivo diz que o crescimento do varejo, sobretudo a partir de 2005, permitiu à empresa capitalizar-se para se expandir. Nesta semana, o grupo obteve financiamento de R$ 38,1 milhões do BNDES para a implantação das unidades. O investimento total será de R$ 60 milhões. Com as novas lojas e a perspectiva de um varejo aquecido, Otoch espera elevar o faturamento em 80% em dois anos.

Assim como as redes locais, grupos que atuam em outras regiões do país também já anunciaram investimentos na região, como o Ponto Frio, a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) e a mexicana Elektra. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o varejo no Nordeste cresce acima da média nacional. Em 2007, enquanto o varejo cresceu 9,6% no país, no Nordeste, o aumento foi de 9,9%. Nas redes de auto-serviço, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a região cresceu 3,4%, ante média nacional de 2,7%. Em 2006, o varejo nordestino também cresceu acima da média, 9,6%, ante 6,2% em todo o país.

Para Fábio Romão, economista da LCA Consultores, outro fator deverá favorecer os trabalhadores de baixa renda: a desaceleração nos preços de alimentos. Ele estima para o ano uma alta de alimentos em torno de 5%, a metade do verificado no ano passado. "Os gastos com alimentos têm um grande impacto sobre o potencial de consumo das classes mais baixas. Uma inflação mais baixa pode contribuir para elevar o consumo de outros itens", afirma Romão. A projeção de aumento na oferta de crédito em 15% neste ano também contribui para o otimismo.

O economista observa que a formalização do emprego facilita aos trabalhadores o acesso ao crédito. O crédito é uma das apostas da Deib Otoch. No ano passado, a empresa fechou acordo com o Bradesco para a gestão de cartões de crédito private label (de loja). Os cartões emitidos pela loja já saltaram de 2,5 milhões para 3,2 milhões.