Título: Lula ouve alerta sobre as contas externas
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Brasil, p. A3

Em reunião ontem com o ex-ministro Delfim Netto e com o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva presenciou um interessante e complexo debate sobre a dinâmica que as contas das transações correntes do balanço de pagamentos podem assumir de agora em diante, dado o crescimento econômico e a sobrevalorização da taxa de câmbio. E sobre o risco de, eventualmente, se nada for feito, o presidente chegar a 2010, ano da campanha sucessória, com o país tendo reconstruído um novo naco de dependência e, portanto, de vulnerabilidade externa.

Ou seja, numa visão extremada, de Lula vir a entregar a economia brasileira para seu sucessor com uma situação externa em franca deterioração, numa reprodução do cenário que recebeu de Fernando Henrique Cardoso, ou seja, o de um país praticamente falido.

Numa atitude preventiva, ao final do debate, ficou acertado que o governo precisa reagir tempestivamente, intervindo com uma política industrial vigorosa, destinada ao incentivo de bens de exportação, tanto com medidas fiscais quanto creditícias. Embora o governo, através do BNDES e do Ministério do Desenvolvimento, esteja desenhando uma nova política industrial nessa direção, a impressão dos presentes é que, de certa forma, o governo está acanhado em definir incentivos mais verticais, privilegiando alguns setores em detrimento de outros.

Na reunião de pouco mais de duas horas, onde estavam presentes também o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, discutiu-se praticamente todas as questões econômicas internas e externas, mas o foco onde as atenções mais se concentraram foi o das contas externas do país. Foi dito ao presidente Lula que não há qualquer garantia de que o saldo comercial este ano chegue à casa dos US$ 26 bilhões. Pode ficar bem abaixo disso, dada a desaceleração da economia mundial associada à valorização do real frente ao dólar.

Ao mesmo tempo, diante do robusto crescimento da economia doméstica, que neste ano deverá ser de algo como 5,5% a 6%, as importações tendem a crescer numa velocidade maior do que se imagina dentro do governo. E o déficit em transações correntes, originalmente estimado pelo Banco Central, para este ano, em US$ 3,5 bilhões, pode encerrar o exercício muito além dessa cifra. Com o agravante de que, depois que toma certo ritmo, esse déficit tende a crescer em progressão quase que geométrica, podendo assumir uma trajetória de US$ 10 bilhões este ano, US$ 20 bilhões em 2009, e assim por diante.

Um pequeno ajuste nas estimativas dá a dimensão do que os economistas presentes ao encontro que Lula tem feito quase todos os meses, estão salientando. O saldo comercial estimado pelo Banco Central para 2008 é de US$ 30 bilhões. Para isso, as exportações devem chegar a US$ 172 bilhões e as importações, a US$ 142 bilhões. Se a taxa de crescimento das exportações for 5% menor do que a estimada e a das importações, 5% maior, o saldo comercial despenca para a casa dos US$ 10 bilhões.

Dois fatores, conforme colocado ontem ao presidente, podem comprometer a taxa de crescimento sustentado da economia brasileira nos próximos anos: uma crise de energia ou a reconstrução da vulnerabilidade externa. Não se trata de abortar o déficit em contas correntes, mas de deixá-lo num tamanho facilmente financiável e não permitir que chegue à casa dos 4% do PIB, como aconteceu nos anos 90, quando o país acabou indo à falência.

E é para evitar qualquer processo dessa natureza que, ao final da reunião, o próprio ministro da Fazenda, segundo um dos presentes, teria concordado com a necessidade de uma política industrial voltada para as exportações de bens e serviços.