Título: IIF vai monitorar mercados globais
Autor: Balarin , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Finanças, p. C1

O conselho do Institute of International Finance (IIF), grupo sediado em Washington que reúne os principais banqueiros do mundo, aprovou ontem no Rio as primeiras medidas sugeridas por um comitê de melhores práticas, entre elas a criação de um grupo de monitoramento dos mercados mundiais, novas formas de avaliação de ativos e parâmetros para pagamento de bônus que levem em conta os riscos que o banco corre para obter determinados resultados. As recomendações, segundo o presidente do conselho do IIF e também do Deutsche Bank, Josef Ackermann, deverão se tornar públicas dentro de duas a quatro semanas.

O Valor teve acesso a um relatório interno e confidencial, que traça um cenário do que ocorreu no mercado financeiro mundial e estabelece os pontos que devem ser atacados. A preocupação dos membros do IIF é a de que a crise que teve início com as hipotecas de alto risco nos Estados Unidos pode gerar uma reação exagerada das autoridades regulatórias e de supervisão, engessando um novo modelo que passou a ser usado pela indústria financeira - o de empacotar ativos, securitizá-los e transferi-los para fora do balanço dos bancos ("originate-to-distribute model"). Antes, o modelo que vigorava era o de conceder empréstimos e ficar com o ativo no balanço ("buy-and-hold model"), o que exigia o comprometimento de um volume maior de capital.

Para evitar uma reação exagerada das autoridades, o IIF está se antecipando e sugerindo medidas de auto-regulação. O documento obtido pelo Valor, de 32 páginas, tem comentários dos membros dos cinco subgrupos do comitê de melhores práticas. Neles, fica clara a preocupação dos banqueiros em mostrar que o setor financeiro não é o único culpado da crise, além da ênfase na necessidade de trabalho conjunto com as autoridades. O IIF também fez questão de ressaltar que a ação coordenada dos bancos centrais, que injetaram liquidez no sistema financeiro e têm reduzido as taxas de juro de forma a limitar os efeitos da crise - em especial nos EUA - é muito bem-vinda, embora seja necessário manter e aprofundar essa cooperação.

"A indústria como um todo reconhece sua responsabilidade preliminar em endereçar (os efeitos econômicos e financeiros da crise) de maneira a reconstruir a confiança do mercado e evitar recorrências", informa o documento do IIF, ressaltando, mais adiante, que as medidas sugeridas devem ser de adoção voluntária.

O comitê de melhores práticas dividiu em sete grandes áreas suas sugestões de aperfeiçoamento do sistema financeiro: gerenciamento de risco; incentivos (como os bônus, por exemplo), veículos de investimento "conduits" (que ficam fora do balanço) e riscos de liquidez; avaliação de ativos; padrões de originação e securitização de crédito; rating (classificação de risco); e transparência e abertura. Para cada uma das categorias foi feita uma análise bastante direta da situação, o que deu errado e o que pode ser feito para melhorar as práticas dos bancos.

Na questão do gerenciamento de risco, por exemplo, o documento do IIF sugere que o executivo sênior da área de risco ("chief risk officer") se reporte diretamente ao principal executivo do grupo e que o conselho seja formado por pessoas incisivas e com ponto de vista diversos, que entendam bem os riscos e que periodicamente avaliem se o risco de perda é compatível com a estratégia do negócio e o capital da firma. Para os produtos chamados "estruturados", como os elaborados com lastro nos recebíveis das hipotecas americanas, a recomendação é de que o exame sobre os riscos envolvidos seja ainda maior, mesmo que o produto fique fora do balanço do banco. Ao longo do documento, há várias referências ao "risco de reputação" da instituição financeira.

O comitê do IIF também é enfático ao dizer que, se o Acordo da Basiléia II estivesse totalmente implementado, isso teria feito diferença no atual cenário de crise, agregando maior resistência ao sistema. Mas esclarece que "é necessário evitar o acréscimo de mais conservadorismo a um acordo que já é conservador".

Ao tratar dos incentivos, o comitê dos banqueiros sugere que as compensações aos executivos devem estar alinhadas aos interesses dos acionistas e à rentabilidade de longo prazo da instituição financeira. O IIF reconhece que o atual modelo (de originar o crédito e distribuí-lo) pode ter gerado ênfase na rentabilidade de curto prazo, além de estimular incentivos que não são compatíveis com critérios saudáveis de originação e securitização de ativos. Uma das sugestões - bombardeada no documento por um dos membros - é a de que seja ampliada a categoria de bônus carimbados como sujeitos a risco, jogando seu pagamento mais para a frente.

Outra grande preocupação dos banqueiros refere-se à avaliação dos ativos. Com a crise, muitos papéis ficaram sem liquidez, afetando o preço pelo qual os bancos têm de registrá-los em balanço, a chamada "marcação a mercado". O comitê recomenda que as instituições financeiras desenvolvam modelos próprios de avaliação e sugere que a própria regra da marcação a mercado e a do valor justo, embora tenham efeitos positivos, podem ter alimentado a espiral da crise. "Ou, talvez, essas perdas tenham sido exageradas por conta do excessivo temor do mercado que, por sua vez, surgiu da revelação das perdas. Ou talvez seja um sinal de um sistema saudável que pode rapidamente superar os problemas e não o início de uma década perdida", escreveu em um comentário Darryll Hendricks, do suíço UBS. Para resolver a questão da avaliação dos ativos, o IIF sugere, como prioridade máxima, um diálogo entre as instituições financeiras, auditores, agências de rating, investidores e analistas.

Ao longo de todo o documento, os banqueiros fazem um "mea culpa" em relação à crise que se alastrou principalmente entre os países desenvolvidos, mas sobraram para as agências de classificação de risco as maiores críticas. O fato de os novos produtos financeiros terem se tornado uma nova fonte de receita para as agências, que são pagas pelos originadores do crédito e pelos emissores de ativos securitizados, criou um potencial conflito, segundo o IIF. "E os investidores acreditam nas classificações de risco quando tomam suas decisões." Como fazer para resolver a situação? Os banqueiros crêem que seja possível uma espécie de supervisão externa das agências, por um organismo que seria formado por investidores, reguladores e especialistas. Eles também sugerem uma auditoria externa nas agências e um investimento na formação dos investidores para que eles reduzam a excessiva confiança nos ratings.

Como sempre, a crise deve levar a um aperfeiçoamento do mercado. Muitas mudanças - e chiadeiras - vêm por aí.