Título: Crise de hipotecas dos EUA ainda está longe de acabar, diz Rhodes
Autor: Balarin , Raquel ; Vieira , Catherine
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Finanças, p. C2

A crise de crédito desencadeada pelas hipotecas nos Estados Unidos ainda deve espalhar seus efeitos por algum tempo. A crença é de um conhecedor do tema, o presidente do Citibank e vice-presidente do conselho do Institute of Internacional Finance (IIF), William Rhodes, e compartilhada por vários dos economistas que debateram ontem, no Rio, no primeiro encontro mundial do IIF realizado na América Latina. "Infelizmente, a crise ainda está longe de acabar", prevê Rhodes. Alguns economistas palestrantes também acreditam que ainda há perdas a serem reconhecidas.

Mas se os dissabores da crise ainda preocupavam muitos dos presentes, as palavras-chave na tarde do encontro foram "descolamento" (decoupling, em inglês) e América Latina. Para Rhodes e outros membros do board do IIF, não é possível falar num descolamento, mas sim que a América Latina está hoje numa posição muito melhor, com instituições mais fortes e políticas macroeconômicas consistentes que reduziram a vulnerabilidade. "Isso significa que o vento frio pode soprar, mas há muito mais estabilidade hoje na AL", resumiu Rhodes, que destacou a posição do Brasil nesse contexto. "As conquistas do governo brasileiro são dignas de nota, assim como as da comunidade empresarial brasileira", completou.

A platéia de jornalistas - em boa parte estrangeiros - parecia não acreditar em tantos elogios à região. "Mas vocês não vêem nenhuma ameaça? A dependência das commodities não pode ser um ponto fraco?", indagou um repórter do jornal britânico "Financial Times". Os banqueiros à mesa (além de Rhodes, Roberto Setubal, do Itaú, Josef Ackermann, do Deutsche Bank, Francisco González, do BBVA, e Charles Dallara, do IIF) voltaram a enfatizar os progressos da região e do Brasil, em especial. "O que queremos dizer é que é uma América Latina diferente da de dez anos atrás", enfatizaram.

Os membros do board do IIF apresentaram ontem essas boas perspectivas para a região traduzidas em números de fluxo de capital privado previstos. Em 2008, US$ 129,3 bilhões podem vir para a AL, volume similar ao do ano passado, que foi, no entanto, 175% superior ao de 2006. Para o Brasil, a expectativa é um pouco menos otimista em termos percentuais. Enquanto em 2007 o país atraiu US$ 79,5 bilhões, em 2008 esse volume poderá ser de US$ 70 bilhões, na projeção IIF. Mas a explicação, garante Yusuke Horiguchi, diretor e economista-chefe da entidade, tem seu lado positivo: "A questão é que ano passado foi excepcional, houve, por exemplo uma grande quantidade de IPOs (ofertas iniciais de ações), que não devem atingir esse mesmo volume em 2008", disse. Ele lembrou ainda que em 2006 o fluxo de capitais privados para o Brasil foi só de US$ 11,2 bilhões.

O otimismo com o Brasil tornava nítido o bom-humor de Roberto Setubal, presidente do Itaú e vice-presidente do conselho do IIF, o único brasileiro sentado à mesa com os demais membros da entidade. "Nessa mesa, certamente só tinha um sorrindo", disse um outro banqueiro, sem perder a piada.

Setúbal lembrou que o IIF nasceu há 25 anos, em meio às crises da dívida na AL, e que é animador ver o primeiro encontro da entidade na região ocorrendo num momento em que as economias latino-americanas demonstram mais maturidade e resistência. Ele destacou que, além de reduzir a vulnerabilidade, o Brasil criou um ambiente propício para receber capitais privados. "O crescimento de dois dígitos no investimento e demandas interna e externa robustas estão levando ao crescimento rápido da economia e à melhoria dos fundamentos", disse Setúbal.

No fim da tarde, porém, os debates abertos pelo economista e diretor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Javier Santiso, aprofundaram a questão que já havia sido posta ao board do IIF: será que a AL não está dependente demais do comportamento da demanda e dos preços das commodities e, por conseqüência, da economia chinesa? As respostas, porém, ainda não são tão triviais. No curto prazo, diz Santiso, a China tem sido e será mais anjo que demônio. Ele lembra que o gigante asiático responde, por exemplo, por 7% das vendas brasileiras ao exterior, ou US$ 11 bilhões.

Santiso e Octavio de Barros, do Bradesco, notaram que a demanda da Ásia tem beneficiado outros emergentes. Pela primeira vez na história recente, o mundo poderia enfrentar uma crise econômica não tendo um só grande eixo de demanda. Além dos EUA, há uma força na Ásia e parte da Europa.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que fechou os trabalhos do dia com projeções mais do que otimistas sobre a economia brasileira, aproveitou a presença dos pesos-pesados dos bancos na platéia para pedir ajuda extra no investimento em infra-estrutura.