Título: Solução diplomática foi boa para a América do Sul
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Opinião, p. A18

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, jogou um balde de petróleo na crise diplomática deflagrada pela ação militar da Colômbia em território equatoriano, no último sábado, ao tentar se impor como parte do conflito e anunciar o envio de dez batalhões de prontidão para a divisa colombiana. A ação dos governos do Brasil, Argentina e Chile, que culminou, na quarta-feira, num acordo na Organização dos Estados Americanos (OEA), resultado de 14 horas de negociações, botou água fria na fervura e Chávez no seu devido lugar. O presidente da Venezuela, que assumiu o protagonismo nas negociações para a libertação dos reféns políticos mantidos pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), foi devidamente excluído como parte do conflito quando o esforço diplomático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e das presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e Michelle Bachelet (Chile) encaminhou as negociações ao Conselho Permanente da OEA.

As tratativas na OEA concentraram-se nas partes legítimas: no invasor, a Colômbia, e no país invadido, o Equador. O resultado dessa primeira rodada afastou provisoriamente o risco de um conflito armado na América do Sul - por ora, já que Venezuela, Equador e Colômbia passaram a colecionar crises e Chávez, em particular, está se especializando em provocações contra vizinhos que não considera alinhados ideologicamente ao "socialismo bolivariano". Mas o saldo dos entendimentos pode ter superado a intenção mais direta. Na resolução acertada entre os dois países, a Colômbia admite ter violado a soberania territorial do Equador - portanto, compromete-se com o princípio estrito de soberania, que é o da integridade territorial do país. Com isso, afasta o fantasma do ataque preventivo, uma exceção ao conceito de soberania consagrado no direito internacional forçada pelos EUA a partir das resoluções 1.368 e 1.373 da ONU, que condenam o terrorismo - que respaldou a invasão do Afeganistão depois dos atentados de 11 de setembro e virou rotina na política de defesa de Israel.

O presidente colombiano, Álvaro Uribe, o maior aliado do presidente George Bush na América do Sul, agiu claramente inspirado em seu protetor e caminhava para tomar o princípio do ataque preventivo como escudo para tomar medidas agressivas contra os dois vizinhos que mostram condescendência com a ação das Farc e têm bases da guerrilha colombiana em seu território. Se o precedente de ataque ao Equador não fosse enquadrado pela resolução da OEA, até mesmo o Brasil, que faz fronteira com a Colômbia, estaria em risco.

Ao mesmo tempo, a resolução abre espaço para que se discuta, mais à frente, a responsabilidade dos países vizinhos à Farc pela sobrevivência de uma guerrilha que existe há 40 anos, misturou-se ao narcotráfico, protege contrabandistas e mantém centenas de seqüestrados, quer para se proteger politicamente da repressão do Estado, quer com objetivos de extorsão. A Colômbia, ao abrir mão de dar como justificativa para a invasão a presença de guerrilheiros no território do Equador, facilita também à OEA que, num segundo momento, questione Rafael Correa sobre a presença das Farc em seu território.

Hoje, as Farc mantêm 40 seqüestrados políticos e cerca de 700 detidos para fins de extorsão. As condições em que eles são mantidos são desumanas. Uribe, aliado dos EUA no combate ao narcotráfico e acusado de condescendência com os grupos pára-militares de direita, foi eleito pela primeira vez em 2002 com a bandeira de acabar com a guerrilha, que desestabilizou uma fila de presidentes anteriores. Provavelmente - com a ajuda ou não dos EUA - foi impulsionado por razões políticas, ao assumir uma operação militar em território equatoriano para matar o número dois da guerrilha, Raúl Reyes. Ele quer viabilizar a aprovação de um terceiro mandato. Ainda assim, o presidente colombiano foi eleito e é um Estado democrático que a guerrilha confronta pelas armas.

A ação coordenada do Brasil, do Chile e da Argentina pode ter sido definitiva para desarmar a bomba de um conflito que tinha o potencial de envolver pelo menos três países do continente. Mas pode ainda servir para uma ação humanitária: permitir a retomada das negociações para a libertação dos reféns.