Título: O difícil futuro do PAC
Autor: Acqua , Fernando Dall
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Opinião, p. A18

A esta altura já está claro que o governo deverá enfrentar um grande desafio para manter o ritmo inicialmente previsto para o PAC. Esta situação não deixa de ser frustrante, frente à enorme expectativa gerada no lançamento do programa que previa um investimento total (público e privado) em infra-estrutura da ordem de R$ 504 bilhões, dos quais R$ 67,8 bilhões a serem incluídos no Orçamento Geral da União (OGU) para o período 2007-10. Além do mais, o PAC veio com a ambiciosa promessa de compatibilizar a sustentabilidade do regime fiscal brasileiro com o rápido aumento do investimento público, cujo crescimento vinha sendo contido pela necessidade de cumprir as metas de superávit primário essenciais para a estabilidade macroeconômica.

O fato é que apesar das condições favoráveis de 2007, o PAC ficou aquém da performance esperada. É o que os números mostram: de uma dotação orçamentária autorizada de R$ 16,5 bilhões, apenas R$ 4,5 bilhões das despesas foram efetivamente concluídas e pagas, sendo inscritos em "restos a pagar" (recursos orçamentários reservados para a execução das obras no futuro) cerca de R$ 11,5 bilhões. Obras importantes na área do saneamento, estradas, barragens e terminais fluviais ainda não foram iniciadas, provavelmente por dificuldades com licitações, licenciamento ambiental, marco regulatório etc. Mesmo considerando este conjunto de fatores que limitam o grau de eficiência do setor público, uma realização inferior a 30% dos investimentos públicos que envolvem recursos do OGU mostra que o programa vem decolando lentamente.

Em 2008, as dificuldades devem aumentar em decorrência da necessidade de um corte de despesas de R$ 20 bilhões para compensar, junto com o aumento da CSLL e do IOF, parte da perda de receita da CPMF. A princípio parece fácil cortar R$ 20 bilhões de um orçamento de cerca de R$ 650 bilhões. O fato é que aproximadamente 89% dos gastos previstos são obrigatórios, ou seja, vinculados a dispositivos legais. Sobram, na prática, cerca de R$ 73 bilhões de gastos de custeio e investimentos que são passíveis de corte (gastos discricionários). Considerando que R$ 20 bilhões representam quase 30% do total das despesas discricionárias, é visível a dificuldade de um corte desta magnitude no orçamento de 2008. Isto leva a crer que, para se manter a meta do superávit primário em 3,8% do PIB, parte significativa do esforço fiscal vá recair sobre o investimento, por ser entre os gastos discricionários os mais fáceis de serem cortados.

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Neste contexto, a provável estratégia do governo para evitar a desaceleração brusca das obras públicas previstas no PAC é utilizar os "restos a pagar" de 2007. Isto se evidencia pelo alto valor empenhado do PAC, em dezembro de 2007, que atingiu uma marca superior a 35% do total autorizado para 2007. Com este artifício, o PAC, embora eventualmente cortado no orçamento de 2008, poderá, através dos "restos a pagar" de 2007, dispor de dotação orçamentária suficiente para manter a implementação do programa. Sob este prisma, a utilização dos "restos a pagar" enfraquece, assim, a restrição orçamentária para a realização dos investimentos públicos previstos no OGU, evitando uma desaceleração brusca do programa.

É um equívoco, no entanto, achar que, ao utilizar o artifício dos "restos a pagar", o governo equaciona as dificuldades do PAC para 2008. O problema começa mas não termina na questão orçamentária. A utilização de "restos a pagar" de 2007, embora permita flexibilizar a execução orçamentária, impacta o superávit primário, que é calculado pelo critério caixa. Sendo assim, o andamento do PAC em 2008 estará inevitavelmente condicionado à disponibilidade de recursos financeiros para a execução das obras independentemente se inscritas em "restos a pagar" de 2007 ou se preservadas no orçamento de 2008. O andamento do PAC dependerá , assim, do controle a "boca do caixa" pelo Tesouro. Por esta lógica fiscal, o Tesouro Nacional assume o poder de arbitragem na administração do caixa através de um rígido controle na liberação dos recursos financeiros. Frente à provável escassez de recursos financeiros associada à perda da CPMF, o PAC deverá competir com outros gastos correntes que são geralmente priorizados em relação aos investimentos.

Assim, o mais provável é que o PAC continue andando em ritmo lento, determinado pelo controle dos recursos financeiros pelo Tesouro que, muito provavelmente, terá como prioridade o cumprimento da meta de superávit primário de 3,8%. Sendo assim, o futuro do investimento público no Brasil continuará entre a cruz e a espada. Por um lado, estará na dependência do pouco provável aumento na arrecadação previsto pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (CMO) para flexibilizar a administração do caixa pelo Tesouro e, por outro, pela necessidade de cumprir as metas fiscais previstas para 2008, sem artifícios contábeis, tais como a exclusão de 0,5% dos investimentos do PPI do cálculo do superávit primário e o aumento do superávit primário das estatais para compensar uma igual redução do superávit primário do orçamento fiscal e de seguridade social, como proposto pela CMO, preocupada em preservar as emendas dos parlamentares.

Fernando Maida Dall Acqua é professor titular da EAESP-FGV e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo.