Título: Avanço na liberação
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2008, Ciência, p. 37

CÉLULAS-TRONCO

Relator e presidente do STF dão voto favorável. Mas pedido de vista adia decisão

OSupremo Tribunal Federal (STF) começou ontem a julgar se células-tronco embrionárias humanas poderão ser usadas em pesquisas médicas com um bom prognóstico para os partidários da ciência: o relator da ação, Carlos Ayres Britto, defendeu a causa e, em seguida, a presidente da Corte, Ellen Gracie Northfleet, concordou com ele. Apesar de ainda não ter declarado oficialmente sua posição, o ministro Celso de Mello elogiou de forma veemente o voto do relator. Além de Mello, outros oito ministros ainda precisam se manifestar antes da conclusão do embate. A votação foi interrompida por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Direito. Ele alegou que precisa de mais tempo para analisar a polêmica.

Não há previsão de quando o assunto voltará à pauta. O regimento interno do tribunal determina um prazo máximo de 30 dias para a devolução de um processo. Ayres Britto acredita que o colega respeitará o prazo e que a maioria dos ministros votará pela autorização das pesquisas.

- Minha expectativa é que já há maioria formada. Fiz um voto convicto, não hesitei em um só momento. Essa decisão já é histórica, seja numa direção ou na outra, e vai se projetar para outros países - afirmou o relator.

Em questão está a Lei de Biossegurança, sancionada em 2005, que libera as pesquisas com células-tronco de embriões gerados em laboratórios e classificados como inviáveis ou que estejam congelados há mais de três anos com o consentimento dos genitores. A lei foi questionada por uma ação de autoria do então procurador-geral da República Claudio Fonteles.

Ayres Britto ressaltou que a legislação brasileira protege as pessoas a partir do nascimento e também o nascituro (feto no útero da mãe). No entanto, lembrou que não há menção sobre direitos de embriões concebidos fora do corpo feminino. O ministro ainda acentuou que o embrião congelado não tem perspectiva de virar ser humano e, por isso, não pode ser comparado àquele inserido no útero.

- Não se cuida de interromper gravidez humana, pois assim como nenhuma mulher se acha mais ou menos grávida, também assim nenhum espécime feminino engravida à distância, por controle remoto: o embrião do lado de lá do corpo, em tubo de ensaio ou coisa que o valha, e a gravidez do lado de cá da mulher. Se toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana - argumentou.

Durante as duas horas em que expôs seu ponto de vista, o ministro recorreu a trocadilhos, versos e citações de poetas famosos para mostrar que o embrião não pode ser tratado como pessoa humana.

- As três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Tal como se dá entre a planta e a semente, a chuva e a nuvem, a borboleta e a crisálida, a crisálida e a lagarta. Ninguém afirma que a semente já seja a planta; a nuvem, a chuva; a lagarta, a crisálida; a crisálida, a borboleta.

Logo em seguida ao voto, Celso de Mello fez questão de ressaltar a importância histórica do voto do colega para o progresso da ciência e para abrir novas portas a quem sofre de doenças genéticas graves e paralisias provocadas por acidentes. Mesmo após Direito ter pedido vista do processo, a ministra Ellen Gracie fez questão de antecipar seu voto.

- Não constato vício de inconstitucionalidade (da lei). O pré-embrião não acolhido no útero não se classifica como pessoa. Os embriões destinados ao descarte não têm probabilidade de vir a nascer - afirmou.

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