Título: Os correspondentes bancários
Autor: Talavera , Glauber Moreno
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Cunhada pelas mãos vigorosas de artistas superiores como Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luís Augusto Rego Monteiro, Dorval Lacerda Marcondes e Arnaldo Lopes Süssekind, sem olvidarmos a importante contribuição do professor Cesarino Júnior e também do advogado Rui Azevedo Sodré, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) - promulgada em 1943 por Getúlio Vargas - estabelece, em seu artigo 3º, os elementos delineadores da condição de empregado e, nesse mister, evidencia o elenco de princípios caracterizadores da relação de emprego. Depreende-se da letra da lei que pessoalidade, habitualidade, onerosidade, dependência e subordinação são os traços distintivos cuja confluência enseja necessariamente o reconhecimento da condição de empregado.

Destarte, é cediço que ultimamente um número considerável de funcionários de empresas, que atuam como correspondentes de instituições financeiras, têm batido às portas do Judiciário pugnando pelo reconhecimento de um pretenso vínculo empregatício supostamente estabelecido entre eles, reclamantes, e a instituição financeira que celebra avença com a empresa prestadora de serviços com quem efetivamente os malsinados contendores mantêm relação de emprego.

A arrebatada profusão dos correspondentes tornou a questão objeto de acendradas polêmicas cada vez mais recorrentes nas varas do trabalho Brasil afora. Com efeito, a crescente contratação de correspondentes para realização de serviços de cunho acessório às atividades privativas de instituições financeiras deu azo à proliferação de demandas judiciais nas quais os reclamantes intentam obter declaração de existência de vínculo empregatício com as instituições financeiras e, consequentemente, ensejam sua condenação ao pagamento dos consectários decorrentes desse reconhecimento da relação de emprego, tanto os legais quanto os previstos em convenção coletiva. Como diria o memorialista francês La Rochefoucauld: "É mais fácil parecermos dignos dos empregos que não temos do que daqueles que exercemos".

Muitas dessas empresas prestadoras de serviços, malgrado não desenvolvam atividades financeiras, que são privativas das instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, ficaram conhecidas como "correspondentes bancários". São, modo geral, constituídas tendo como objeto social o desenvolvimento de atividades de assessoria e consultoria financeira, com o desiderato específico de prestar serviços a bancos, atuando na prospecção de clientes em potencial.

-------------------------------------------------------------------------------- Prestadora de serviços atua meramente na aproximação entre instituições financeiras e clientes --------------------------------------------------------------------------------

É de ressaltar-se que, embora a prospecção seja realizada pela empresa prestadora de serviços, a contratante da operação de concessão de crédito ou financiamento é efetivamente a instituição financeira. A empresa prestadora de serviços, bem como seus empregados e demais funcionários, atua meramente na aproximação entre instituições financeiras e clientes.

À evidência, não se estabelece nenhuma relação de cunho trabalhista entre tais empregados e funcionários das prestadoras de serviços e os Bancos. Em verdade, a única relação jurídica estabelecida nesse contexto circunscreve-se aos Bancos e às próprias prestadoras de serviços, sendo esta de natureza eminentemente civil e não se estendendo sob nenhuma hipótese aos empregados e funcionários das prestadoras. Nesse sentido, é patente a falta de substrato fático a amparar a tese levada aos Tribunais com o fito de que acolham os pleitos de declaração de relação de emprego.

Dessa miríade de noções, alguns quesitos enaltecem o latente descabimento da pretensão e merecem ser cotejados. A prestadora é quem mantém contrato com o banco, não o reclamante; o serviço contratado não é, via de regra, prestado com exclusividade; a contraprestação financeira a que o reclamante faz jus pela atividade que desenvolve lhe é paga pela prestadora de serviços; inexiste liame de subordinação mantido entre o reclamante e o Banco, o que é notório mormente pela absoluta impossibilidade de monitoramento, pelo Banco, das atividades desenvolvidas e das jornadas de trabalho cumpridas especificamente pelo reclamante.

Atento a essas incertezas e ambigüidades que também assolam a sociedade francesa, o professor da Universidade de Nantes, Alain Supiot, na sua obra "´Au Delà de L´Emploi" (Além do Emprego), corrobora a visão do jurista francês Jean-Michel Belorgey ao preconizar a necessidade de compreender-se que o trabalho transcende o contrato de trabalho subordinado. Entre nós, o professor Cássio Mesquita Barros, outrora membro da Organização Internacional do Trabalho, também tem sedimentado esse entendimento cujo pressuposto fundamental enaltece a necessidade de uma verdadeira concertação social para mudança dessa mentalidade.

Em suma, parece-nos que se por um lado a disseminação dos correspondentes bancários representou notável avanço no processo contínuo de aprimoramento e facilitação do acesso dos consumidores aos serviços outrora concentrados no âmbito físico das agências bancárias, por outro está ensejando a criação de uma ditadura judiciária do emprego concebida a partir da multiplicação de reclamações trabalhistas que, prescindindo conscientemente dos meios alternativos que afluem para solução de conflitos numa sociedade pós-industrial, abarrotam cada vez mais os escaninhos já atulhados da Justiça do Trabalho que, provavelmente, não reconhecerá tais relações como se de emprego fossem, sobretudo por não estarem amparadas pelo fio de prumo assimétrico e oblíquo do Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Glauber Moreno Talavera é advogado especialista em operações bancárias e financeiras, é mestre e doutor em direito pela PUC-SP, membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo e professor da UniFMU.

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