Título: Onde o dólar não tem vez
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2008, EU & Investimento, p. D1

Imagine uma pessoa que aplicou R$ 1 mil em dólares em dezembro de 2004. Ela viu o valor da moeda cair de R$ 2,654 para R$ 1,68 e teria hoje R$ 634,00, uma perda de 36,70%. Se tivesse aplicado o mesmo valor em renda fixa, conseguindo em média o CDI no período, de 55,95%, teria hoje R$ 1.559,20. Ou seja, o aplicador em dólar teria perdido o equivalente a 145,93% do que poderia ter se tivesse aplicado em juros.

A maioria dos analistas não vê o dólar parando de cair por aí. Mantido o cenário atual, a moeda pode escorregar a R$ 1,60 e até R$ 1,50. E não se trata de especulação, mas dos fundamentos das economias brasileira e internacional. Sim, porque não é só o real que está se valorizando diante do dólar, mas a maioria das moedas, especialmente as de economias ligadas à palavra mágica "commodities".

Quem já viu o dólar cair de R$ 4,00 para R$ 1,68 não se espantará, se a moeda bater o R$ 1,50 no curto prazo, diz Antonio Madeira, economista da MCM Consultores. Dois fatores favorecem essa queda: os fundamentos e a taxa de juros mais alta no Brasil atraindo investidores. "Ficou a dúvida de uma semana para cá por conta do aumento explosivo das importações, que poderia afetar a balança comercial e pressionar o dólar, mas não entraram ainda os embarques de minério de ferro - após o reajuste de 65% - e de soja", lembra.

A MCM mantém previsão de superávit da balança de US$ 30 bilhões este ano (US$ 10 bilhões a menos que 2007), valor que, somado ao fluxo de investimentos estrangeiros pelo crescimento da economia e do juro alto, manteria o dólar para baixo. "Nem mesmo neste início de ano, com toda turbulência nos mercados externos, o dólar subiu", afirma ele, lembrando que a moeda cai 5,46% em 2008. Se sair este ano o grau de investimento, selo de menor risco para o país, aí teremos mais dinheiro vindo para cá para comprar empresas ou aplicar em renda fixa, comenta. Madeira mantém a projeção de dólar a R$ 1,80 no fim do ano, contando que a demanda aquecida vai aumentar as importações e pressionar a taxa. "Mas, no curto prazo, tudo é a favor do real".

A valorização do real reforça a recomendação da bolsa brasileira para os investidores internacionais, diz Paulo Tenani, chefe de pesquisa para América Latina da UBS Pactual Wealth Management. "É ganho com a bolsa subindo e com o dólar caindo", diz. Segundo Tenani, o juro local também é um forte atrativo: aqui um investidor consegue 11,25% ao ano em aplicações de um dia e, lá fora, no máximo 6% em oito anos. Para interromper a valorização do real, Tenani calcula que o BC teria de cortar a Selic para 9% ao ano ou até menos. A queda, diz Tenani, só não é maior porque o BC compra dólar no mercado. "Sem o BC, a moeda já estaria em R$ 1,40." Em seis meses, ele trabalha com um dólar em R$ 1,60.

Neste ano, os preços da cesta de commodities exportada pelo Brasil já subiram 20% sobre a média do ano passado, o que favorece a balança comercial e a queda do dólar, diz Paulo Pereira Miguel, economista da Quest Investimentos. "Os estoques mundiais estão baixos e qualquer notícia joga os preços para cima." Além de ajudar na depreciação do dólar, essas exportações irrigam a economia e ajudam no crescimento doméstico, atraindo mais dinheiro para o país, explica Miguel. O risco é uma crise maior nos EUA, que leve a uma queda das commodities. Mas o impacto dessa queda seria suavizado pelas reservas internacionais do país, que podem atingir R$ 210 bilhões no fim deste ano, estima.

Em geral, os emergentes associados a commodities, caso do Brasil, estão indo bem. O Índice Bovespa, por exemplo, registra a melhor performance no ano em um universo de 20 bolsas, diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos. Isso favorece também o real, que perde em valorização no ano apenas para o franco suíço, com ganho de 9,5%, e para o iene, com 7,8%. "Mas franco e iene são moedas de proteção", explica.

Para Figueiredo, a percepção de que o Brasil é muito ligado às commodities, que estão subindo em média 30% este ano, faz do real uma "moeda de commodities". Além disso, há o crescimento doméstico e os juros elevados, o que ajuda a atrair investimentos.

Figueiredo acredita, porém, que essa alta recente das commodities não deve se sustentar e, com a queda dos preços, a tendência é de o real se desvalorizar um pouco ainda até dezembro. Ele trabalha com um dólar perto de R$ 1,80 no fim do ano, "o que não quer dizer que a moeda não possa chegar a R$ 1,60 no curto prazo", avalia..