Título: Ainda falta segurança nos vôos, alertam sindicalistas
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2008, Brasil, p. A2

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o governo federal festejam a melhora do sistema aéreo brasileiro no fim do ano, mas quem atua diretamente com os vôos diz que não há o que comemorar. Uma análise sobre as ações do Ministério da Defesa para recuperar o sistema mostra que os esforços se concentraram em medidas para atenuar a irritação do passageiro e afastar os holofotes dos problemas graves de segurança do espaço aéreo brasileiro. Mas não houve atuação sobre esses problemas.

Pouco mais de cinco meses depois de tomar posse na Defesa, Nelson Jobim centrou seus esforços na mudança da direção da Anac e na reformulação da malha aérea, desafogando o aeroporto de Congonhas (SP) e o centro de controle de tráfego de Brasília, o Sindacta 1. As alterações afastaram, por ora, o caos aviltante nos aeroportos. Os atrasos diminuíram e a Infraero comemorou a "Operação Verão" nas festas do fim do ano.

Se conseguiu melhorar um pouco a vida dos passageiros - e assim diminuir a pressão da opinião pública sobre o governo - Jobim não conseguiu nenhum avanço na questão mais importante do apagão aéreo: a segurança dos vôos. "Embora todos os problemas do nosso sistema tenham sido discutidos em duas CPIs no Congresso, as falhas estão sendo escondidas. A falta de pessoal e os equipamentos ultrapassados continuam como antes do início da crise, nada mudou", reclama Jorge Botelho, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo. "Com relação aos equipamentos, não houve qualquer troca ou mesmo atualização", diz.

"O que o comando da Aeronáutica e o Ministério da Defesa fizeram foi maquiar os problemas. Diluíram o controle do tráfego para evitar o caos e pronto", acusa a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziella Baggio. "Grande parte dos pilotos ainda está insatisfeita. O clima no setor é muito ruim", completa.

Tanto Graziella quanto Botelho dizem que os controladores foram calados pela Infraero e o comando da Aeronáutica. "Os controladores não podem reportar problemas no sistema. Eles continuam trabalhando com deficiência, sob forte pressão e em condições ruins", diz a representante dos aeronautas. "Percebemos que houve muito discurso, mas não vimos as iniciativas saírem do papel", afirma Graziella.

Botelho segue a mesma linha. Acusa os militares de proibir qualquer reclamação dos controladores. Ele chega a prever o pior. "Ninguém pode reportar problemas até que exploda tudo de novo."

Na questão da segurança, só duas medidas foram adotadas pelo governo: a colocação de ranhuras e o aumento da área de escape (com a conseqüente redução da pista) do aeroporto de Congonhas (SP). Diversas outras promessas foram feitas e não cumpridas. A questão da terceira pista de Guarulhos (SP), por exemplo, não saiu do papel. A Anac informou ao Valor que Jobim levará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na próxima semana, o projeto de construção da pista.

"O compromisso de atualização dos equipamentos de controle também ficou só na promessa", reclama Graziella. Outra promessa, a de proibir o slot (espaço reservado para vôos) de gaveta - prática de algumas empresas segundo a qual a companhia não utiliza um trecho a que tem direito e, assim, impede que outra empresa interessada utilize aquela rota - também não foi cumprida. A Anac informa que deverá ampliar o número de slots fora do horário de pico a partir da semana que vem. A agência acredita que a medida vai aliviar os prejuízos dos slots de gaveta.

Jobim chegou a anunciar novas regras de multa para o mau uso dos slots. A medida incentivaria o uso do aeroporto do Galeão (RJ) em detrimento de Guarulhos (SP). Segundo a Anac, a regra está pronta e está em consulta pública antes de entrar em vigor.

Segundo Botelho, além das pequenas melhorias em Congonhas, a Infraero e a Anac não investiram mais em segurança de vôo. "O que tivemos foi apenas uma atenção maior com a manutenção das aeronaves, o que é até natural depois de dois acidentes aéreos", diz, ao citar os desastres com os aviões da Gol e da TAM, em setembro de 2006 e julho de 2007, nos quais morreram 353 pessoas. "Houve um ligeiro avanço, com a mudança na malha e a manutenção dos aviões. Mas é pouco, são melhorias muito tímidas", diz Botelho.

Outra questão fundamental para a segurança dos vôos o governo não consegue resolver. Perto de vários grandes aeroportos do país, as rádios piratas continuam a interferir nos vôos, dificultando a comunicação com as torres e atrapalhando o controle do tráfego. "Deve haver um esforço maior para evitar as rádios piratas. Na região de Congonhas, a situação é grave. Aparecem rádios de um dia para o outro", diz Graziella Baggio. "As rádios piratas são uma praga em São Paulo", afirma Botelho.

Uma das questões mais sensíveis do sistema aéreo - o debate sobre a desmilitarização do controle de vôo - também continua em impasse. "Há um ambiente de desconforto no setor. O governo abafou os controladores ditatorialmente. Todos os problemas deles continuam", diz Graziella. O excesso de trabalho, as pendências salariais e os equipamentos ultrapassados continuam deixando insatisfeitos os controladores.

Botelho acredita que a Defesa entendeu que é melhor manter os controladores dentro das Forças Armadas para evitar insubordinações e manifestações. "A hierarquia e as punições militares acabam sendo boas para o governo, já que os controladores não civis ficam impedidos de se manifestar. Eles são obrigados a rezar a cartilha dos comandos", diz Botelho. "Assim, abafa-se qualquer denúncia ou tentativa de apontar falhas."

Segundo Graziella, se a relação entre os controladores e o comando da Aeronáutica continuar como está, dificilmente haverá melhorias no setor. "É preciso haver diálogo", diz. Ela reclama que Jobim não recebe as entidades e os sindicatos. "Até hoje, praticamente nenhuma associação foi recebida pelo ministro. Temos sugestões de implementação imediata que gostaríamos de fazer ao governo, mas não conseguimos agendar nada."