Título: Abrir-se para sobreviver
Autor: de Andrade , Robson Braga
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2008, Opinião, p. A10

O acesso ao mercado de capitais constitui hoje importante vantagem competitiva para um grupo selecionado de empresas de médio e grande porte. Os benefícios são muitos: além de se aproveitar do bom momento vivido pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), essas companhias se capitalizam, conseguem reduzir seus níveis de endividamento, melhoram sua imagem institucional e abrem espaço para a profissionalização de sua gestão. Por tudo isso, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) decidiu agir no sentido de estimular a abertura de capital de empresas mineiras, iniciativa com grande potencial para fortalecer a competitividade do setor produtivo do Estado.

Para iniciar esse processo, a Fiemg firmou convênio com a Bovespa e a Fundação Dom Cabral (FDC) para pesquisar e identificar o estágio atual de gestão e governança de empresas de médio e grande porte, de controle familiar e com matriz em Minas Gerais. O objetivo foi captar a disposição e o potencial dessa amostra para acessar o mercado de capitais, em suas múltiplas modalidades, sobretudo por meio da abertura de capital.

Os resultados da pesquisa são muito positivos. Mostram que as médias e grandes empresas mineiras, na sua maioria, já adotam boas práticas de gestão e governança, estão confiantes e bem posicionadas em seus mercados, fazem uso do planejamento como instrumento de construção das estratégias de médio e longo prazo, adotam metodologias adequadas na análise e decisão de investimentos e estão propensas a desenvolver programas de abertura de capital.

De acordo com o trabalho, 36% das empresas pesquisadas estão dispostas a seguir esse caminho e, ao mesmo tempo, estão bem preparadas para fazê-lo, adotando práticas de gestão e governança mais próximas daquelas preconizadas pelo mercado. A pesquisa revelou também que 23% das companhias, ainda que precisem melhorar sua gestão, governança e cultura para um processo de abertura de capital, têm interesse e disposição para financiar seu crescimento por esta via.

As empresas com maior potencial para acessar o mercado de capitais faturam, em média, R$ 384 milhões e têm planos de investimentos focados no crescimento do negócio. Isso significa, portanto, maior geração de caixa e, certamente, aumento de valor da companhia, condição básica para a atratividade perante o mercado de capitais.

Essa tendência é fundamental para aumentar a participação de Minas Gerais no cenário do mercado de capitais brasileiro. Apesar de todo seu potencial econômico, o Estado possui apenas 29 empresas com registro ativo na Bovespa ou 6,5% do total de companhias listadas na bolsa, o que lhe confere a 5ª posição dentre as unidades da Federação.

A disparidade entre o potencial econômico e a representação do Estado na Bovespa é um fator de preocupação e reflete uma realidade que não é apenas de Minas Gerais. Segundo a pesquisa Sondagem Industrial Especial CNI, realizada com 1.655 indústrias no último mês de novembro e que avaliou os investimentos realizados pelo setor industrial brasileiro em 2007, a forma de financiamento mais comum entre as empresas foi utilização de recursos próprios (71%), com a emissão de ações registrando uma participação inferior a 1%.

Mesmo ainda sendo uma exceção no cenário das empresas industriais, o acesso ao mercado de capitais se tornou crescentemente atrativo nos últimos anos. As empresas que captaram recursos por esta via vêm sendo favorecidas, entre outros aspectos, pelo aumento da liquidez mundial e por um ambiente interno mais estável, indicando a consolidação do Brasil como um dos mercados mais atraentes aos investidores externos. A tendência é inclusive a de que o Brasil consiga ser elevado à categoria de investment grade no curto prazo.

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Para se ter uma idéia da magnitude desse processo, basta lembrar que há dez anos o valor de mercado das empresas listadas na Bovespa representava 10% do PIB. Ao final de novembro de 2007, a capitalização de mercado das 405 companhias listadas já superava 100% do PIB (R$ 2,4 trilhões), sendo grande a contribuição do capital externo nestes investimentos (aproximadamente 35% das negociações e 75% dos IPOs ocorridos em 2007). No mercado de venture capital e private equity, havia, no Brasil, em 1999, cerca de US$ 3,7 bilhões em capitais comprometidos em operações de capital de risco (subscrito ou integralizado); em 2007, ao final do primeiro semestre, os investimentos neste segmento somavam US$ 16,7 bilhões, uma taxa média de crescimento de 28,4% ao ano no período.

São indicadores que mostram que o mercado de capitais brasileiro irá se tornar, cada dia mais, um excelente espaço para as empresas viabilizarem planos de investimentos, inacessíveis por meio do mercado de crédito tradicional.

A revista "Valor 1000", de agosto de 2007, mostra, por exemplo, uma rentabilidade líquida média para as 1.000 maiores empresas brasileiras de 10,1% e um endividamento geral em 121,4% (exigível total/PL) ao final do exercício de 2006. São números adequados em termos internacionais, mas que indicam haver clara limitação na capacidade de maior endividamento baseado no crédito, levando em conta, principalmente, a baixa experiência do sistema financeiro nacional e das empresas brasileiras em operarem mais alavancadas.

Se há limitações na capacidade de endividamento das empresas, o caminho mais lógico para a viabilização das oportunidades de investimentos que se apresentam passa claramente pelo aumento de capital das firmas ou pela estruturação de engenharias financeiras que viabilizem a securitização de recebíveis ou do fluxo de caixa projetado do empreendimento (project finance).

Enfim, hoje há indicações claras de que o crescimento da empresa baseado somente na reinversão de lucros e no crédito não se sustenta a médio prazo, dada a dinâmica da maior parte dos mercados, tendendo estas empresas a perderem competitividade e market share e a tornarem-se alvos de compra.

E o Estado que abre mão do controle de sua estrutura produtiva corre sério risco de transformar-se em simples unidade produtiva. Isso debilita sua capacidade de interferir estrategicamente no desenvolvimento regional, já que os centros de decisão deixam de ter raízes na região. Em Minas Gerais, temos muitos exemplos recentes deste processo.

A ação de estímulo à entrada de empresas no mercado de capitais tem, portanto, importância estratégica para um Estado com o potencial econômico de Minas Gerais. E se o fruto deste trabalho for o aumento do número de companhias listadas na Bovespa, teremos a certeza de ter colaborado para a valorização e perenização do setor produtivo mineiro.

Robson Braga de Andrade é presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).