Título: Câmara e Senado unem-se para mudar MPs e preocupam Planalto
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2008, Política, p. A8

Picciani: "Não há sentimento de emparedar o governo. A única coisa que vai mudar é que as MPs não vão trancar a pauta" Uma parceria entre os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), vem incomodando o governo. Ambos estão pessoalmente empenhados na aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para alterar o rito de tramitação das medidas provisórias. O principal objetivo é acabar com o trancamento da pauta de votações das duas Casas, quando uma MP não for votada em até 45 dias depois de sua edição - o que acontece freqüentemente com uma enxurrada de MPs editadas pelo governo, submetendo a pauta da Câmara e do Senado à vontade do Executivo.

A comissão especial da Câmara criada por Chinaglia está em estágio avançado de análise de uma PEC do senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), morto no ano passado, que muda as regras de tramitação de MP. A essa PEC, foram apensadas outras 29 que tratam do mesmo assunto e, por isso, devem ser analisadas em conjunto.

O relator, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), pretende concluir nesta semana uma proposta de texto para negociar com o Senado. Chinaglia e Garibaldi fizeram acordo com os líderes partidários das duas Casas para que as emendas sejam discutidas agora, durante a tramitação na Câmara, para que os deputados aprovem texto já negociado com os senadores. Assim, a PEC teria rápida tramitação no Senado.

Apesar das dificuldades de votação em ano eleitoral, existem chances de Câmara e Senado aprovarem a PEC mudando a tramitação de MP. Isso, por causa da determinação de Chinaglia e Garibaldi e da vontade política dos congressistas, cansados de ver seu poder de legislar limitado por uma pauta permanentemente trancada por MP.

"A Câmara ficou praticamente parada durante três meses no segundo semestre de 2007. A pauta estava trancada por MP e, se alguma fosse votada, chegaria ao Senado já suspendendo as votações naquela Casa, atrapalhando a votação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Então o governo obstruiu, por meio da base", disse Chinaglia.

"Fica provado que, quando há algo relevante como a CPMF, até o governo age para que não se vote MP. Ou seja: o relevante e urgente - pressupostos constitucionais para edição de MP - pode não ser tão relevante assim", completou.

Ele está acompanhando os trabalhos da comissão especial. Anunciou que, ao contrário do que acontece normalmente na Casa, será rigoroso nos prazos. Ou seja, se a comissão não votar o parecer no período destinado a ela - que termina na primeira semana de abril -, levará a PEC diretamente ao plenário.

O parecer ainda está em discussão, mas um ponto consensual é a necessidade de acabar com o trancamento da pauta em caso de não votação da MP. Outras regras estão em análise - e o governo tem participado, por meio da bancada do PT. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou Chinaglia ao Palácio do Planalto, acompanhado de lideranças petistas, para discutir o assunto. Segundo o presidente da Câmara, Lula entendeu seus argumentos e pediu, inclusive, que o petista defendesse a tese para que o conselho político "assimilasse" a proposta. "Não há sentimento de emparedar o governo, de acabar com o instituto de medida provisória ou criar uma regra que engesse o governo. O governo vai poder editar MP, a única coisa que vai mudar é que elas não vão trancar a pauta", disse o relator Leonardo Picciani.

Uma idéia descartada, segundo ele, é que a votação volte a ocorrer em sessão do Congresso (deputados e senadores juntos) em vez de Câmara e Senado separadamente. O relator também nega a possibilidade de alternância de origem de tramitação entre Câmara e Senado. Alega que a Constituição determina que matéria do Executivo comece a tramitar pela Câmara.

Os senadores se queixam que a Câmara demora a votar as MPs, que sempre chegam ao Senado já trancando pauta. Uma solução em estudo, segundo Picciani, é a fixação de prazo independente de tramitação em cada Casa. Por exemplo: 75 dias em cada um, o que elevaria o prazo total de vigência para 150 dias.

Outra proposta em análise pelo relator - defendida por Chinaglia - é que a MP, caso não seja apreciada em determinado prazo, não suspenda mais a votação de outras matérias, mas seja automaticamente incluída na Ordem do Dia como primeiro item da pauta. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), sugere fixar um prazo para votação, após o qual seria convocada uma sessão extraordinária exclusiva para votar a MP pendente.

"O presidente Lula está preocupado com a possibilidade de uma mudança na regra tirar a possibilidade de o Executivo governar com presteza", disse Jucá. Segundo ele, a alteração na Constituição tem que ser seguida por uma reforma nos regimentos da Câmara e do Senado, que hoje permitem manobras de obstrução. "Temos que evitar que as protelações impeçam a adoção de medidas necessárias", afirmou o líder.

As propostas de Jucá e de Chinaglia buscam resolver uma das preocupações do Planalto: o risco de uma MP não ser votada por manobras e disputas políticas na base. Por desavenças entre governo e Câmara, por exemplo, uma MP poderia demorar a ser incluída na pauta de votações, perdendo a eficácia por decurso de prazo. "A alma é acabar com o trancamento. Vamos promover uma mudança no rito de tramitação dando ao Congresso condições de votar o que considerar importante, sem tirar do Executivo as condições de governar", disse Chinaglia.

A discussão sobre as MPs ameaça ser levada adiante no momento em que o governo já cogita liberar recursos orçamentários utilizando-se do instrumento. Entre as restrições da legislação de 2001, última vez em que o Congresso legislou sobre o tema, as medidas foram vetadas na liberação de recursos orçamentários, mas o governo mantém a prática baseado no artigo 167 da Constituição que a prevê a abertura de crédito extraordinário para atender a despesas urgentes decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Ele nega que Lula esteja preocupado com a governabilidade, caso as regras de votação de MP fiquem mais rígidas. "Conversei com Lula. Ele se preocupa com o destino do país e, como democrata, entendeu que a regra atual prejudica o bom funcionamento do Congresso. Os deputados José Eduardo Cardozo (PT-SP), secretário-geral do seu partido, e José Genoino (PT-SP), ex-presidente da legenda, são os principais defensores da posição do governo na comissão especial.

Emendas apresentadas por eles foram recebida na comissão como tentativa de tumultuar a discussão. Uma delas volta a permitir a reedição de uma MP que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo (o que era possível até 2001). Outra emenda aumenta a prazo de vigência dos atuais 120 dias (60 dias, prorrogável por igual período) para 180 dias. Outra, somente de Genoino, permite o trancamento da pauta, desde que seja proposto por requerimento apresentado por maioria absoluta da composição da Câmara ou do Senado e aprovado pela maioria absoluta dos deputados.

Um exemplo do prejuízo que as MPs causam: em 2006, ano eleitoral, a pauta da Câmara ficou trancada de março a julho, porque a base não permitia a votação de uma MP que reajustava o salário mínimo. A oposição havia conseguido incluir uma emenda estendendo o aumento aos inativos e o governo preferiu manobrar para que ela perdesse a eficácia. Se fosse votada antes da eleição, a probabilidade de aprovação seria grande, porque os congressistas não iriam votar contra os interesses do eleitorado. Depois da eleição, nova MP foi reeditada, reajustando o mínimo.

Há situações de MPs que "caducam" sem conseqüência alguma. No sábado passado, por exemplo, perdeu a eficácia uma medida provisória editada pelo presidente Lula em setembro de 2007, que liberou R$ 3, 2 bilhões para órgãos do Poder Executivo por meio de crédito extraordinário. A MP 395/07 caducou porque não foi votada no prazo constitucional de 120 dias. A oposição do Senado, que obstruiu a votação, comemorou o fato, mas o vencimento por decurso de prazo não tem qualquer efeito prático. Como uma MP tem vigência imediata, o dinheiro já foi liberado, gasto e não será devolvido. Alguns congressistas defendem que a MP só entre em vigor depois da análise da admissibilidade pela Câmara. Mas essa idéia é rejeitada pelo governo, já que, em tese, as MPs são editadas em caso de urgência e relevância.