Título: São Paulo quer uma fatia dos royalties do campo de Tupi
Autor: Schüffner , Cláudia ; Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2008, Especial, p. A16

O governo do Estado de São Paulo e municípios do litoral norte paulista querem aumentar sua participação na divisão de receitas de royalties e participação especial (PE) do campo de Tupi. Cálculos preliminares feitos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) apontam que o Estado do Rio receberá integralmente pelos royalties referentes à produção de Tupi e Júpiter. As prefeituras paulistas, porém, têm expectativa de conseguir levantar a discussão sobre mudanças nos critérios de distribuição, e ganhar espaço na fatia dos repasses que correspondem aos Estados e municípios "confrontantes" aos poços (em cujo mar, teoricamente, estaria a plataforma de extração) ou pelo menos aumentar a fatia destinada às cidades afetadas pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás.

Pela lei do petróleo (9478/97) e pelo decreto 2797 de 1998, os municípios e o Estado confrontante (onde fica a plataforma marítima) ficam com 22,5% cada dos royalties de campos gigantes, enquanto a parcela dos municípios afetados (pelo maior movimento de navios, por dutos, por terminais e eventualmente pela própria sede administrativa da operação) é de 7,5%.

Partindo da avaliação de que as cidades do litoral paulista podem concentrar boa parte das atividades relacionadas à exploração do novo campo (ainda que sua localização seja na parte fluminense da bacia de Santos), um dos pontos a serem defendidos junto à agência é que parte dos royalties vá para os locais de moradia dos futuros trabalhadores da empreitada. "É importante que o Estado de São Paulo seja contemplado, e as regras atuais dos royalties não parecem corresponder à importância dos municípios na atividade", diz o deputado estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), representante da Baixada Santista.

A secretária paulista de Saneamento e Energia, Dilma Pena, diz que o governo ainda não conversou com municípios, mas concorda que os critérios de distribuição dos royalties precisam ser revistos. "Isso precisa ser sempre discutido e avaliado, para aprimorar o processo", diz. A secretária afirma que há pelo menos parte do campo em área pertencente a São Paulo. "Tupi é bastante vasto, e os royalties vão ser definidos baseados em questões geográficas. Não será uma discussão política. A divisão é de uma precisão milimétrica e pelo mapa que eu vi, numa escala maior, há uma parte do campo no Rio e outra em São Paulo", diz Dilma.

O secretário estadual de Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, acha que discutir o direito do Rio sobre royalties é "um não assunto". Segundo ele, o Estado não alimentou esse tipo de discussão, até agora, por entender que estabilidade regulatória é um valor muito importante.

A disputa se justifica porque há muito dinheiro em jogo. Se o campo de Tupi, na parte fluminense da bacia de Santos, produzir 1 milhão de barris de petróleo por dia, o Estado que tiver direito a ele vai recolher R$ 1,32 bilhão em royalties todo ano - no ano passado, o Rio recebeu R$ 1,56 bilhão por esse tributo. O valor para Tupi não inclui as receitas com participação especial, que começa a incidir mais tarde, após a depreciação do investimento em exploração e produção.

Na prática, a discussão sobre royalties é oficialmente prematura porque Tupi e Júpiter ainda não são oficialmente campos de petróleo ou gás. A Petrobras só informou até agora que descobriu hidrocarbonetos em grandes volumes nessas áreas. Pela regra do contrato de concessão, as empresas têm um prazo para concluir o programa exploratório das áreas arrematadas. Depois que descobrirem petróleo ou gás elas devem propor um plano de avaliação para a ANP, que o aprova ou não. No final desse plano e até o fim do chamado período exploratório a empresa precisa informar os contornos do campo.

A partir daí, a empresa tem seis meses para apresentar o plano de desenvolvimento. É também a fase de detalhamento dos investimentos: quantos poços, qual a logística para o transporte do produto até o litoral. Somente quando os contornos da reserva são definidos pela empresa e aprovados, a ANP pede ao IBGE que calcule as coordenadas para a distribuição de royalties e participação especial.

Joaquim Levy não vê como São Paulo possa reivindicar royalties sobre Tupi e Júpiter. Cálculos preliminares feitos da ANP já mostram que o Estado do Rio receberá integralmente pelos royalties destes campos, sendo que uma parte caberá à capital, Rio de Janeiro, e às cidades de Niterói, Maricá, Saquarema, Araruama e Arraial do Cabo.

Victor Martins, diretor da ANP responsável pelo controle das participações especiais, evita entrar em detalhes sobre os municípios que receberão os royalties desses campos. Mas diz que não há dúvida sobre os Estados que têm direitos sobre a receita futura dos impostos. Segundo ele, os blocos BM-S-11 (onde está Tupi) e o BM-S-24 (onde está Júpiter) estão integralmente no Rio. E os blocos BM-S- 9 (Carioca), BM-S- 10 (Parati), BM-S- 21 e BM-S- 22 estão integralmente em São Paulo. "Qualquer royalty sob a produção dos futuros campos que venham a ser declarados comerciais nesses blocos serão pagos para os Estados onde eles se localizam", explica.

Algumas prefeituras de São Paulo querem agendar para este mês reuniões com o IBGE para esclarecer o cálculo da faixa litorânea de cada Estado, e com a ANP, para debater as formas de divisão dos royalties e sugerir os novos critérios. Segundo Antônio Rubens Lara, diretor executivo da Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem), pedir informações é a única coisa que a região pode fazer por enquanto. "Queremos transparência", diz ele. Para Lara, os critérios tanto do IBGE quanto da ANP são controversos, e a região não será a primeira a contestá-los.

Para o prefeito de São Sebastião, Juan Garcia, os critérios do IBGE são confusos e dão margem para erros de interpretação. "Vamos questionar logo que lançarem os dados oficiais", diz. Garcia espera que o governo estadual seja um aliado. A cidade possui uma base da Transpetro, subsidiária de transporte da Petrobras, e abriga o maior terminal de embarque e desembarque de petróleo do país. Pela proximidade, acha que pode atrair parte da produção de Tupi e assim se credenciar aos royalties.

As estimativas de reservas de Tupi são de 5 a 8 bilhões de barris de petróleo - até hoje a maior reserva era a de Roncador, com 3 bilhões de barris - sendo que Júpiter pode ter uma jazida de gás do tamanho das atuais reservas provadas da Bolívia. Pela atual metodologia de cálculo de royalties feita pelo IBGE, com base no decreto de 1986, a área dos dois campos, que são contíguos, fica 100 milhas depois da linha que separa os dois Estados, portanto dentro do território do Rio e "claramente em frente à cidade do Rio de Janeiro", segundo palavras do secretário de Fazenda do Estado fluminense. Levy acrescenta que o Rio nunca brigou pelos royalties de outro campo gigante na bacia de Santos, Mexilhão, "mesmo quando se achava que ele seria o maior campo do hemisfério". Pela atual regra de cálculo de royalties, Mexilhão fica na faixa paulista da bacia de Santos.

O secretário lembra que o Rio já deixa de arrecadar no mínimo R$ 5 bilhões em ICMS sobre as transferência de petróleo produzido no Estado, mas processado nas refinarias da Petrobras espalhadas pelo país. E ainda não está claro se haverá mudança dessa regra na proposta de reforma tributária. O cálculo toma como base uma produção de 1,6 milhão de barris/dia de petróleo, sobre os quais foi aplicada alíquota de 10% (quando a média varia entre 7% e 12% ) e um preço do barril em US$ 100.

A queixa é antiga. Apesar de produzir 80% do petróleo do Brasil, o Rio tem apenas uma refinaria, a de Duque de Caxias (Reduc) e exporta petróleo produzido no Estado sem receber o ICMS, que excepcionalmente não é cobrado na origem, apenas no destino. O maior parque de refino do país está em São Paulo, onde estão quatro plantas: Capuava (Recap), Presidente Bernardes (RPBC), Henrique Lage (Revap) e Paulínia (Replan).

Além das refinarias, a cidade paulista de Santos abriga a Unidade de Negócios da Petrobras na região da baixada santista. "Os investimentos da Petrobras na cidade, com a abertura de seu segundo escritório esse ano, mostra a disposição da empresa em crescer na região", diz Márcio Lara, secretário de governo de Santos.

No ano passado, as cidades do litoral paulista receberam R$ 102 milhões de royalties por conta principalmente da base da Transpetro na cidade de São Sebastião e da refinaria de gás de Cubatão. Mesmo essa divisão já gera controvérsias entre as prefeituras por dúvidas sobre a lógica das destinações. De 2006 para 2007, houve queda no repasse para todas as cidades da Baixada Santista, com exceção de Cubatão. Enquanto em 2006 foram repassados para Santos R$ 4 milhões em royalties, em 2007 a cidade recebeu R$ 18 mil. Guarujá teve sua receita em royalties reduzida de R$ 273 mil para R$ 18 mil no mesmo período. "É preciso abrir a caixa-preta dos royalties", diz Mauro Scazufca, secretário de Planejamento do Guarujá.